Edicão de sábado: A tragédia da Covid na saúde mental dos jovens indígenas

Como você se sentiria se uma catástrofe destruísse as escolas, as bibliotecas, os museus, os arquivos, tudo aquilo que nos liga a nosso passado? Pois foi exatamente o que a Covid-19 fez a comunidades indígenas ao ceifar os anciãos. E as vítimas não foram apenas os que morreram, mas também os jovens, privados de suas referências, suas interações sociais, seus rituais e tantos outros elementos de seu cotidiano. A pandemia é como um malho que cai mais pesado sobre os mais vulneráveis. Como isso afetou seu bem-estar mental, só os próprios jovens poderiam dizer.

Para isso, entre novembro de 2020 e janeiro deste ano, 533 indígenas entre 15 e 22 anos de oito regiões do território amazônico ganharam voz no projeto Saúde mental de populações indígenas na Amazônia brasileira no contexto da Covid-19, uma parceria entre o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD)/Fiocruz Amazônia e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Das respostas, por exemplo, descobre-se que a morte dos idosos foi particularmente cruel com os moços.

“As populações indígenas têm uma oralidade muito importante. Sua história, sua cultura, sua socialização são orais”, explica a pesquisadora Michele Rocha El Kadri, da Fiocruz Amazônia, coordenadora geral do projeto. “A Covid provocou nessas comunidades a perda de suas referências com a morte dos anciãos.”

Mas antes de lidar com a saúde mental dos jovens, foi preciso entender o que ela significa para eles. Parte das 48 questões buscava esclarecer isso, inclusive porque esse é um conceito não indígena, a separação de mente e corpo. Segundo Michele Kadri, para os indígenas mente, corpo, ambiente e relação com a natureza e a espiritualidade se completam, daí a utilização pelos pesquisadores do conceito mais amplo de bem viver. Tanto que uma das respostas mais marcantes para “o que é saúde mental?” foi “a qualidade de vida do povo nos seus pensamentos”.

Sofrimento duplo na morte

Porém, como manter a qualidade de vida quando não se tem a qualidade de morte? Outro motivo de angústia apontado pelos jovens na pesquisa foi a privação dos rituais. A religiosidade é muito importante para essas populações, mesmo não se tratando de suas crenças ancestrais. Dos 533 indígenas que responderam aos questionários, 47,7% se declaram evangélicos, 38,8% católicos, e somente 5,3% marcaram “nenhuma religião”.

“Eles não puderam velar seus mortos, que é uma coisa importantíssima na sua cultura”, diz a pesquisadora da Fiocruz Amazônia. “Em vez disso, tinham aquele ritual hermético, branco, de não contaminação. Isso foi e tem sido um grande sofrimento para eles, porque não é só o corpo que é velado. Toda a espiritualidade que precisa ser elaborada lhes foi negada.”

O líder espiritual, apontou a pesquisa, é a primeira pessoa a quem os jovens indígenas recorrem em situações de angústia, ansiedade ou depressão, não importa se é o curandeiro, o padre ou o pastor.

A presença das igrejas dos brancos não tem uma ação uniforme. Michele Kadri conta que, no município amazonense de Maraã (AM), pastores organizaram fogueiras de máscaras porque “era por elas que vírus chegava” e diziam que as vacinas eram para “matar índio”.

“Por outro lado, no Parque Tumucumaque, no Pará, as igrejas, inclusive as neopentecostais, estavam na linha de frente”, diz a coordenadora do projeto. “Elas forneciam EPIs e lideravam movimentos para que os indígenas tivessem acesso a álcool em gel. Não dá para generalizar.”

Aldeados, sim; desconectados, não

A pesquisa mostrou um outro aspecto dos jovens indígenas. Salvo em comunidades mais isoladas, eles estão conectados. Telefones celulares são uma realidade para 82,4% dos ouvidos na pesquisa, o que foi crucial para o sucesso do projeto. Os questionários foram elaborados no formato Google forms e distribuídos via Whatsapp, aplicativo que praticamente todos os jovens indígenas conectados verificavam ao menos uma vez por dia. Igualmente importante foi o nível de escolaridade do público analisado. A maioria (57%) tem Ensino Médio, contra 33,8% com Ensino Fundamental, 5,8% com Ensino Superior e 3,4% com Ensino Técnico.

Esses jovens de 15 a 22 anos são prioritariamente estudantes (61,4%), solteiros (81,4%) e sem filhos (77,7%). Nesses aspectos, em nada diferentes dos jovens urbanos e com as mesmas necessidades de socialização. Outro ponto de angústia apontado foi a falta de atividades culturais e esportivas, em geral patrocinadas por igrejas ou ONGs e interrompidas pela pandemia.

Soluções locais para um problema global

O projeto da Fiocruz Amazônia/Coiab/Unicef traz alguns paradoxos. Ao responderem aos questionários, 86% disseram usar máscaras e seguir outros protocolos de proteção, mas 68% relataram que tiveram parentes infectados e 37% pegaram Covid-19. Uma das explicações possíveis é que eles só fazem uso de proteção quando têm de ir às cidades, uma situação nem sempre evitável. Segundo Michele Kadri, comunidades indígenas adotaram estratégias próprias de autocuidado.

“Por exemplo, uma tribo elegia um representante da aldeia para vir à cidade resolver todos os assuntos”, conta a pesquisadora. “Quando voltava, ele ficava em quarentena, e, no mês seguinte, outra pessoa vinha. Outros grupos, que têm uma característica mais nômade, foram para territórios ainda mais distantes.”

‘Indígena’ é invenção de branco

Quando se comparam as respostas de cada uma das oito regiões amazônicas pesquisadas, fica claro o quanto é impossível homogeneizar esses povos. “Indígena” é uma construção dos brancos. É como falar em “europeus” como se tchecos e espanhóis fossem iguais. São povos diferentes, com problemas diferentes, como explica a coordenadora geral do projeto.

“Por exemplo, a média de suicídios entre indígenas é maior que a média nacional”, diz Michele Kadri. “Esse é um problema gravíssimo nas comunidades no Alto Rio Negro, mas praticamente inexistente no Sul do Amazonas. Lá, nos disseram que último caso havia sido em 2003 com um indígena que vivia na cidade e tinha outras questões envolvidas.”

‘Branco só fala em desgraça’

O projeto da Fiocruz Amazônia/Coiab/Unicef não se esgotou num questionário. A partir dele foi elaborado um curso online para as comunidades chamado Bem-Estar – Saúde Mental Indígena. E mesmo ali as diferenças culturais se fizeram sentir. Representantes das comunidades chamados a elaborar o curso reagiram, dizendo que “branco só fala em desgraça”. Para lhes dizer o que fazer já havia muita gente. Era preciso confiar em seus saberes.

“Muitos desses elementos podem nortear as políticas não só agora, no momento da pandemia, mas nos ensinar para a frente como lidar melhor com as questões de saúde mental dessa população”, conta Michele Kadri.

Segundo ela, a pesquisa mostrou que a ideia de que saúde mental não é o trabalho de um único profissional. Saúde mental é uma questão coletiva, é um trabalho comunitário que não precisa obrigatoriamente ter um psicólogo ou um psiquiatra. Quando se promove, por exemplo, um torneio esportivo, está se tratando de saúde mental. Uma roda de conversa coletiva sobre as próprias experiências é um trabalho de saúde mental.

“Temos que quebrar a barreira de que saúde mental é algo só para quem está adoecido. Não é”, enfatiza a pesquisadora da Fiocruz Amazônia. “É um trabalho de prevenção, de buscar esse apoio no que é o coletivo, no que é a comunidade. O projeto nos ensinou mais do que nós ensinamos a eles. A cultura indígena não é individualista como a nossa. Eles pensam coletivamente, então as estratégias são coletivas. E essa é a lição que eles nos ensinam na pandemia. Ninguém sai dessa sozinho.”

Confira imagens da pesquisa feita nas aldeias.

As regras para a nova corrida espacial

“Determinados a viver juntos em um estado livre e soberano, sem influência e interferência da Terra, […]”. Essas são algumas das palavras descritas por alunos da Universidade de Yale na criação de uma Constituição de Marte. Apesar de ter sido um exercício hipotético, refletir sobre novas regras espaciais deixou de ser pura ficção científica para uma realidade cada vez mais necessária. Para além dos problemas práticos de levar pessoas e recursos para o espaço, e da tecnologia que seria necessária, a questão de como essas colônias seriam governadas e quais leis seriam aplicadas já estão sendo levantadas à medida que os planos espaciais se tornam mais alcançáveis.

Hoje, o espaço é regido pelo Tratado do Espaço Sideral. É um acordo internacional criado em 1967 e assinado por mais de 110 países, incluindo o Brasil e potências espaciais como EUA, Rússia e China. Afirma, por exemplo, que nenhuma das partes pode reivindicar soberania sobre o espaço, os planetas ou outros objetos do sistema solar.

Mas agora o cenário é outro. O princípio do Tratado de que o espaço deve ser “a província de toda a humanidade” esbarra hoje nos interesses comerciais. Na era atual de uma corrida espacial comercial, o documento quase não inclui menção à empresas, mineração de asteróides ou assentamentos humanos. Embora continue ainda a ser o principal árbitro final sobre a lei espacial, há uma série de brechas que permitem as mais variadas interpretações. E até hoje, não há nenhuma instituição que regula as suas regras, o que tende a favorecer aquele com maior poder econômico.

Chegar a um planeta já não é apenas um símbolo de poder político, mas conquista de importantes recursos. A Lua oferece água sólida, energia solar e elementos raros, como platina e titânio. Estimativas sugerem que um asteróide do tamanho de um campo de futebol poderia conter até US$ 50 bilhões apenas em minerais raros na Terra.

Países junto com as empresas espaciais já estão se movendo para alterar as regras de acordo com seus interesses. Ano passado, os EUA lançaram um Acordo Artemis, um conjunto de diretrizes legais para países que desejam participar do plano de retorno à Lua liderado pelos americanos. Nove países assinaram, concordando com um ponto polêmico: que os recursos extraídos dos corpos celestes podem ser tomados, utilizados e vendidos. Alguns especialistas dizem que isso vai contra o segundo artigo do Tratado, que proíbe reivindicações territoriais em outros mundos e repete a lógica colonizadora aplicada na Terra.

Enquanto nos termos de serviço do Starlink, serviço de banda larga via satélite, Elon Musk, uma das principais vozes na corrida espacial comercial, sinalizou como enxerga essa empreitada humana a outros planetas. “As partes reconhecem Marte como um planeta livre e que nenhum governo baseado na Terra tem autoridade ou soberania sobre as atividades marcianas. Consequentemente, as disputas serão resolvidas por meio de princípios autônomos, estabelecidos de boa fé no momento do acordo marciano.”

Para especialistas, novas regras não devem proibir o avanço espacial, mas demarcar mais claramente, por exemplo, em que ponto o uso perfeitamente legal da infraestrutura se transformaria em colonização ilegal. Com as brechas atuais não é difícil imaginar uma nova corrida espacial, na qual empresas ricas, provavelmente de países desenvolvidos, poderiam assumir o controle de recursos cruciais. E esse futuro não está longe: o acampamento da NASA na Lua deve ser instalado em 2024 e a Space X quer criar uma base habitável em Marte na década de 2050.

Trump e o Facebook

Não foi uma boa semana para Donald Trump. Na quarta feira o ex-presidente americano tirou do ar seu blog, lançado com pompa e circunstância havia cerca de um mês. A baixa audiência do blog estava passando uma impressão de irrelevância para sua presença digital. O blog foi uma tentativa de voltar a ocupar espaço na discussão online após seu banimento de plataformas como Twitter e Facebook por ter incentivado o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro. Ontem, o Facebook anunciou que a suspensão de Trump da plataforma vai durar mais dois anos e que sua volta será reavaliada apenas em janeiro de 2023. O anúncio foi feito no blog de notícias do Facebook em um post assinado por Nick Clegg, vice-presidente de assuntos globais da companhia e ex-membro do Parlamento britânico.

Nick Clegg: “Devido à gravidade das circunstâncias que levaram à suspensão do Sr. Trump, estamos desativando suas contas pelo período de dois anos contados a partir da data inicial da suspensão em 7 de janeiro deste ano. Ao final desse período iremos avaliar junto a especialistas se o risco para a segurança pública foi reduzido. Em caso contrário, iremos estender a suspensão por um novo período e continuar avaliando o nível deste risco. Quando a suspensão for finalmente levantada, colocaremos em prática uma série escalonada de sanções que serão ativadas à medida que o Sr. Trump cometa novas violações no futuro, até e inclusive a remoção permanente de suas páginas e contas de nossas plataformas. Sabemos que toda penalidade aplicada ou deixada de aplicar será controversa. Existem pessoas que acreditam que não é apropriado para uma empresa privada como o Facebook suspender um ex-presidente de sua plataforma, assim como diversos outros que acreditam que o Sr. Trump deveria ter sido banido definitivamente.”

Jack Schafer, repórter sênior de mídia do Politico: “O Facebook acreditou que havia conseguido escapar das críticas quando criou seu comitê de especialistas em 2020. Todas as questões polêmicas sobre a plataforma poderiam ser tiradas dos ombros de Zuckerberg e entregues ao comitê. O banimento de Trump após a invasão do Congresso em 6 de janeiro era uma dessas decisões que Zuckerberg enviou para o conselho mediar. Mas, ao invés de aliviar a pressão de cima da empresa, o comitê respondeu no começo de maio que sim, o Facebook poderia banir Trump de sua plataforma, mas a decisão se a suspensão deveria ser temporária ou definitiva caberia à companhia. A política da empresa parece ser a de empurrar com a barriga. Mantendo a suspensão até janeiro de 2023, o Facebook irá devolver à Trump sua conta a tempo da campanha de 2024. Conhecendo Trump, sabemos que vai voltar à violar as regras, e Zuckerberg deve continuar com sua estratégia de ir empurrando com a barriga.”

Donald J. Trump: “A decisão do Facebook é um insulto para o número recorde de 75 milhões de pessoas que votaram em nossa chapa nas fraudulentas eleições presidenciais de 2020. Eles não deveriam sair impunes desta censura e silenciamento, mas, ao final, iremos vencer. Nosso país não pode mais aceitar este abuso.”

Charlie Warzel, ex-editorialista de opinião do New York Times em sua newsletter no Substack: “Uma punição de dois anos que expira logo antes de uma temporada eleitoral em que Trump pode concorrer à presidência não parece uma punição justa para o crime. Me lembra aquelas cenas em que um sargento de filme precisa punir um soldado por algum motivo e decide por um afastamento remunerado por duas semanas e ainda completa: aproveite para tirar férias com sua namorada. É punição apenas no nome.”

Peter Kafka, veterano repórter de tecnologia e âncora do podcast Recode Media: “Eu li por alto, mas me parece que a leitura correta é que o Facebook não tem interesse em devolver sua plataforma a Trump. O que anunciaram hoje parece ser uma espécie de protocolo a que irão se referir sempre que questionados: 'Trump pode voltar para o Facebook?' 'Deixa eu checar... Não, ainda não.'”

E os mais clicados de uma semana um tanto quanto política:

1. O Globo: Cepa America, Cloroquito e outros memes da Copa America no Brasil.

2. G1: Entenda a mucormicose, a infecção causada pelo fungo negro e sua relação com a Covid-19.

3. Folha: Checagem dos erros e acertos de Nise Yamaguchi na CPI da Pandemia.

4. Folha: Google Fotos encerra armazenamento ilimitado gratuito.

5. Estadão: Bolsonaristas tentam minimizar protestos contra governo na Paulista.

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A rede social perfeita para democracias

24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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