Edição de Sábado: Se Gritar Pega Centrão

Num vídeo que vem circulando nas redes e zaps nos últimos meses, o general Augusto Heleno pega o microfone e canta. “Se gritar pega Centrão”, entoa substituindo o ‘ladrão’ da letra original, “não fica um meu irmão.” Era 2018 e o hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional estava na animada convenção do PSL que fez de Jair Bolsonaro candidato à Presidência. Há muitos símbolos na cena. O primeiro, evidentemente, é o da contradição. Em meio a uma crise cada vez maior, o Bolsonaro eleito presidente depende cada vez mais do mesmo Centrão. Sem este apoio, cai. Mas há outro símbolo igualmente importante. Está no olhar: na compreensão do corrupto. Como se a corrupção nascesse do caráter de um certo grupo. Como se ali estivesse uma mensagem subentendida: governo com Centrão será corrupto; governo com militares disciplinados será honesto. É tão simbólico quanto irônico. Afinal, indicados do Centrão e seis coronéis estão, juntos, no meio de um escândalo de corrupção envolvendo a tentativa de compra com propina de vacinas contra Covid-19. “Eles são todos iguais”, costumamos dizer. “Ladrões, todos.” E este é um olhar errado sobre corrupção. Errado, porém previsível e talvez inevitável.

Porque corrupção, no Brasil, parece inevitável. Parece, muitas vezes, uma condenação histórica, um destino manifesto do qual não escaparemos, um traço cultural tão indicador de nossa maleabilidade quanto a ginga ou o saci. Ser brasileiro é ser corrupto.

A partir desta percepção nos prendemos a argumentos no debate público que, décadas depois do suicídio de Getúlio e do golpe de 1964, continuam polarizado duas visões que mutuamente se cancelam e em nada ajudam a compreender o problema ou a resolvê-lo. Por um lado está a indignação moralista, em grande parte justa, que de tempos em tempos une um bom naco da classe média urbana mais conservadora. Do outro aparece uma percepção da esquerda de que corrupta é a natureza do Estado brasileiro, e a indignação é seletiva, portanto hipócrita. Não mais que uma desculpa para o golpismo que vem da direita e só se ergue quando os escândalos são da esquerda.

A ciência política contemporânea tem indícios demais para desmontar todo este debate. Quem acha que a corrupção é inevitável está errado. Quem a vê como inerente à cultura, também. Quem percebe o problema como moral, idem.

O problema é de desenho do Estado e do sistema político.

Uma história de como se entende corrupção

O maior talento de Carlos Lacerda como político ele havia herdado do pai, Maurício. Era a verve. Ainda hoje, na classe média carioca, é possível encontrar velhinhas que descrevem com brilho no olhar o magnetismo de seus discursos. Num tempo em que era o rádio e não as redes que dava o ritmo do debate público, Lacerda se destacava. E no ano de 1954, aquele que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas, Lacerda estava em seu auge. A morte do presidente foi o ápice de meses de denúncias de desvio de dinheiro público e favorecimento de aliados, que passou inclusive por um processo de impeachment e uma tentativa de assassinato. A popularidade de Vargas estava no chão. Após o suicídio, virou — tornou-se herói.

Foi este momento, até por conta do desfecho trágico, que criou na esquerda a desconfiança arraigada de que a direita adversária é hipócrita. Uma desconfiança que só foi fortalecida, dez anos depois, quando João Goulart, o herdeiro de Getúlio, foi tirado do poder à força por um golpe de Estado bancado por tanques na rua. A crise foi antecedida por passeatas da classe média conservadora que incluiu a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

É destes dois momentos que nasce o argumento petista de que o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi um ‘golpe’. Percebem nas manifestações do pato com a camisa da Seleção, que tomaram as ruas em 2016, ecos do lacerdismo em 1954 e 64. Como se o lavatismo fosse o mesmo fenômeno repetido. Assim como, o impeachment, uma reedição do golpe.

Seriam, pois, três momentos históricos que representam um mesmo fenômeno social.

No primeiro semestre de 1954, quando a disputa estava a toda mas Getúlio ainda não havia tirado a própria vida, circulou na revista Cadernos de Nosso Tempo um dos primeiros artigos clássicos da ciência política brasileira. “As campanhas de moralização são um fenômeno tipicamente pequeno-burguês”, escreveu o autor anônimo, muito provavelmente o sociólogo Hélio Jaguaribe. Usando as lentes do marxismo, ele via naquela classe média urbana a formação de um novo grupo social capaz de ter impacto político.

“A pequena burguesia é a classe que manobra os meios de produção sem ter a propriedade deles. O que caracteriza as classes médias, portanto, é seu status. O pequeno-burguês é um proletário com status assemelhado ao do burguês. Essa dependência para com o status constitui, psicossocialmente, um poderoso condicionamento para uma visão idealista do mundo. Em outras palavras, constitui um estímulo para acreditar que a vontade é o fundamento único do ser. As coisas são isto ou aquilo porque alguém assim as quis. Assim sendo, as coisas serão boas ou más conforme sejam o produto de uma vontade honesta e esclarecida, ou de seu oposto. Tudo depende, portanto, de os homens que dirigem os acontecimentos serem bons ou maus. Tal é o fundamento do moralismo.”

A terminologia marxista pode datar o texto, mas a descrição do fenômeno permanece impecável. E é esse espírito mesmo que aparecia no discurso cantarolado do general Heleno — com homens direitos e de família no governo, o problema está resolvido.

Não está.

Mas é também impossível ler esta passagem sem lembrar outro vídeo que a toda hora reemerge das redes — o da professora de filosofia uspiana Marilena Chauí. “Eu odeio a classe média”, ela grita num palco. “A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez, é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante.”

É a armadilha marxista numa democracia: vê o pequeno burguês, ou a classe média, como seu principal inimigo. O obstáculo a ultrapassar para a implementação do Estado socialista nunca são as elites, é sempre este conjunto de pessoas que fica entre proletários e quem está em cima.

Mas na crítica de esquerda a esta visão moralista do eleitor de classe média há uma mensagem declarada e outra que fica em suspenso.

A declarada é de que o moralismo de classe média é por natureza alienado. Ignorante e ingênuo. Não compreende as complexas relações entre trabalho e capital, não demonstra empatia por quem está embaixo, simplifica a vida a uma questão de quem se se esforça e quem não, a quem tem caráter ou não.

A parte não declarada da crítica é que a corrupção é inevitável, inerente à natureza, e que em verdade, quando se compara ao PIB, o dinheiro desviado não é tanto assim.

E há, num nível mais profundo e não confessado, também uma visão moralista. Ou, na definição de Hélio Jaguaribe do que é moralista, “as coisas serão boas ou más conforme sejam o produto de uma vontade honesta e esclarecida”. As boas intenções da esquerda e sua dedicação a quem mais sofre na sociedade são o remédio necessário. Corrupção está tudo bem se o resultado for bem-estar social.

As duas visões, embora populares em cada conjunto, não batem com o conhecimento estabelecido na ciência política contemporânea. Corrupção não ocorre ou deixa de ocorrer por conta de caráter. E corrupção causa, sim, dano à democracia. Um dano que vai muito além do dinheiro desviado.

O problema da corrupção, é bom ressaltar, não está no dinheiro que se perde. O problema da corrupção é que tira do Estado sua capacidade de agir e resolver problemas. Simultaneamente, o problema da corrupção em democracias é que gera, em parte relevante da população, desconfiança em relação à eficiência democracia.

No Brasil estamos sofrendo de ambos os males.

Como funciona corrupção

Inge Amundsen é um cientista político norueguês que, vindo de um dos países mais democráticos e pouco corruptos do mundo, se tornou também uma das maiores autoridades no planeta em corrupção. Não é difícil entender por quê. A Noruega é também um país rico em petróleo que, desde cedo, tomou a decisão de não se submeter ao que no ramo chamam maldição do petróleo. A existência de combustível fóssil no subsolo, durante o século 20, gerou riquezas sem igual dispensando a necessidade de industrializar um país. Quase sempre levou a governos autoritários, muita corrupção, e economias susceptíveis demais à flutuação do preço do barril no mercado de commodities.

Desde o início o Estado norueguês se concentrou num esforço de escapar da sina — ganhar o dinheiro que a natureza oferece sem sofrer as consequências típicas. O Estado, portanto, investiu em ciência. Ciências da natureza para lidar com a extração e distribuição do óleo. Ciências humanas para compreender as armadilhas políticas e sociais. Na carreira, Amundsen começou estudando a África, Angola em particular, buscando entender a relação entre a indústria, o Estado e a sociedade. É um dos maiores especialistas na compreensão deste fenômeno — a corrupção — de suas causas, efeitos. E mesmo como se resolve. Escreveu muito sobre o tema. (PDF)

Organizações, públicas ou privadas, não importa, têm estruturas hierárquicas. E isto impõe um dilema. Toda organização tem um objetivo. Para que o objetivo seja alcançado, é preciso que em todos os níveis hierárquicos da instituição cada pessoa nos degraus da hierarquia atue com este objetivo comum em mente. Mas cada pessoa também tem objetivos e ambições particulares. É natural — formar família, ter uma casa melhor, crescer pessoal e profissionalmente. O dilema está nessa tensão. É preciso que cada indivíduo na organização trabalhe pelos objetivos da instituição, convencida de que seus interesses particulares serão melhor atendidos assim.

Outra característica da hierarquia é que há mais conhecimento na base do que no topo. Claro. Os detalhes de uma operação são mais bem compreendidos por quem faz do que por quem está acima, dando ordens.

Existem, é bom compreender e diferenciar, dois tipos de corrupção. A corrupção econômica tem o dinheiro no centro, receber em troca de algo irregular. Mas há também a corrupção social — é o clientelismo, o nepotismo, o favorecimento.

A corrupção econômica, o enriquecimento ilícito, é um fenômeno recente no Brasil. Vem mesmo do Estado Novo, dos anos 1930 e 40. Não era algo que estava no radar da sociedade no período anterior. Já a corrupção social, que costumamos chamar de patrimonialismo, vem da fundação do país. É a ação de, em tendo algum poder que vem do Estado, fazer uso deste para a manutenção e aumento do poder pessoal. Se mostra no ‘você sabe com quem está falando?’, assim como na não distinção do que é público e do que é privado.

Há solução?

A maneira de resolver o problema da gestão, a tensão entre os interesses da organização e os interesses pessoais, não tem mistério. Está na definição das regras do jogo que estabelecem incentivos e penalidades. É, em essência, promover o encontro entre interesses da organização e da pessoa. Quando sair da linha o custo é alto, quem se mantem na linha sobe na vida.

Fazer com que um ministério ou uma estatal funcionem, portanto, depende disso. Caráter não se mede em entrevista ou questionário. E caráter é um conceito fugás. Mas se o jogo é um no qual vale mais a pena seguir a linha do que desviar, mais pessoas seguirão a linha e vão melhorar de vida assim.

Só que o Estado brasileiro é organizado de forma que os incentivos vão no sentido oposto. Não tem nada a ver com natureza — tem tudo a ver com como se organiza. Como tudo que se compreende a partir das ciências humanas, este não é um cálculo aritmético. O resultado é um que se busca por lenta aproximação. Um cadinho para lá, um pouquinho para cá.

Uma das coisas que a ciência política aprendeu dos anos 1990 para cá é que o primeiro resultado da democratização de um país é o aumento da corrupção.

Como regra geral, regimes autoritários tendem a ser corruptos e democracias tendem a não ser. É só que o período de transição trai esta noção. Democracias se tornam menos corruptas, pelo que se conhece hoje, a partir do momento em que já têm quatro décadas de ininterrupção. É porque, com experiência, vão azeitando sua estrutura para fazer com que funcionem. Regimes autoritários, isto já sabemos, são sempre corruptos. Porém o primeiro reflexo da democratização é que há aumento tanto da corrupção quanto da percepção de corrupção.

Aí está uma armadilha também conhecida: o aumento da percepção de corrupção aumenta simultaneamente, na sociedade, as dúvidas a respeito da democracia e uma tendência a apelar para soluções autoritárias. Que, não é surpresa, são por natureza corruptas.

Quanto mais centralizado é o poder, maiores os incentivos para corrupção.

Isto tem a ver com a economia do poder. Quanto mais um grupo concentra poder, mais incentivos terá para se manter ali com recursos na mão para cooptar quem quiser só poder e não debate de ideias.

A União, hoje, detém o controle sobre os recursos arrecadados com impostos pelo Estado brasileiro. Isto quer dizer que cada prefeito que precisa de dinheiro para asfaltar um naco de estrada ou iluminar um bairro perigoso depende da assinatura de alguém em Brasília. A maioria dos deputados federais, para garantir sua reeleição, depende do apoio local dos prefeitos. De uma campanha eleitoral ativa. Quando deputados se lançam candidatos, prefeitos estão na metade do mandato. Eles apoiam aqueles que trazem recursos nos dois primeiros anos. A maioria dos deputados, portanto, ou se concentra em extrair da união dinheiro para seus prefeitos, ou não têm a reeleição.

É assim que um Centrão nasce. Porque a maioria dos deputados federais na Câmara não têm voz, não têm trânsito, cada um depende de se unir ao grupo maior que dá sustentação ao governo. Se extraem recursos, a chance de eleição aumenta.

O número excessivo de partidos só aumenta a dificuldade. Isto quer dizer que são muitas legendas brigando por recursos públicos de campanha.

O curioso é o seguinte: com parte dos deputados de esquerda, este fenômeno não ocorre. Porque seus eleitores são de uma classe média progressista cujas vidas não são tão diretamente dependentes do Estado. Não precisam do asfalto, da iluminação, de recursos imediatos. Votam por ideias e se lamentam da corrupção moral dos outros. Pois é. O moralismo de classe média também beneficia a esquerda. As visões de mundo são muito diferentes, a estrutura de pensamento é a mesma.

Ocorre que o Executivo federal não independe do Congresso. Porque um terço da Constituição define políticas públicas e porque a lógica do Orçamento engessa as possibilidades de onde gastar, ou o presidente da República tem extensa maioria no Congresso, ou não consegue avançar com uma agenda. Porque qualquer agenda depende de emendas constitucionais — maioria de três quintos em ambas as Casas — e recursos.

Todo jogo tem regras. As regras do jogo Brasil dizem o seguinte: não importa quem é o presidente, ele só atua se conquistar três quintos dos parlamentares. E, para boa parte dos deputados, esta interdependência é a única força que têm para extrair um recurso que lhes garantirá a reeleição localmente.

O resultado imediato se dá na distribuição de verbas do orçamento. Se dá, também, na distribuição de cargos na administração pública. E aí vem o nó da corrupção. Cada grupo que ganha uma secretaria, uma diretoria de estatal, mesmo um ministério, vai usar essa pequena estrutura para manutenção de seu poder. Pode ser pela busca de propinas, pode ser pela orientação de verbas perfeitamente legais.

O resultado também, na administração pública, é a distribuição de cargos por toda estrutura. Isto quer dizer que ministérios e estatais têm seus comandos distribuídos não entre pessoas que estão lá para alcançar os objetivos de ministérios e estatais. Estão lá para garantir os recursos que seus grupos requisitam.

Na verdade, pouco importa se é por uma propina ou por uma verba legal cujo critério de distribuição seja um ganho político. É onde voltamos à teoria de gestão. Uma organização, uma instituição, é uma estrutura hierárquica. Seu objetivo será melhor alcançado se todas as pessoas do comando abaixo tiverem o mesmo objetivo. Quando o poder é distribuído de tal forma que um parlamentar indica um secretário, e este secretário garante seu salário graças ao parlamentar, e é a estrutura federal que define toda distribuição de recursos da nação — o resultado é que aquele secretário, diretor ou o que seja está a serviço dos objetivos particulares do parlamentar.

O ministério não cumprirá os objetivos ou as diretrizes do presidente, por melhor ou pior que sejam. Da mesma forma, presidentes estarão sempre à mercê dum Centrão. Ou descentraliza, ou tem Centrão. Se todo o dinheiro via tributos é arrecadado por Brasília e distribuído para estados e municípios, haverá ilusão de possibilidades totais e um Estado corrupto. Se a distribuição é local e Brasília define apenas as regras, o Estado tem uma chance de funcionar bem e os incentivos para corrupção despencam.

Democracia funciona assim. Quanto menor a concentração de poder, menor o índice de corrupção. Mas isto quer dizer, também, que um presidente terá menos poder de mudar radicalmente a política da nação. Direita e esquerda fluem entre uma e outra, nunca há uma vitória total. As regras do jogo, no micro, levam ao resultado que temos. Não importa se o governo é tucano, se é petista — ou mesmo se é de Jair Bolsonaro. Entrou na administração pública federal, a máquina condiciona a maneira como o jogo será jogado.

Desfecho

Democracia funciona porque compartilha o poder. A ilusão da direita é que em se resolvendo o caráter e os bons modos dos políticos, a corrupção se resolverá. A ilusão da esquerda é que em se resolvendo o caráter e os bons princípios dos políticos, a corrupção se resolverá. São, ambas, ilusões. Ilusões que nascem, em verdade, de uma má compreensão da democracia e da ideia de que um dos lados tem o monopólio das virtudes. Mas democracia não é um regime no qual um lado ganha no final. É um regime no qual um nunca ganha do outro e sempre se alternam. No qual quando um tem a presidência, o outro ainda assim tem muito poder de intervir.

Quanto mais o poder é distribuído, quanto mais os recursos são distribuídos, menores os incentivos a fazer um ganho grande na primeira oportunidade. É por isso que democracias tendem a ser honestas quanto mais tempo de democracia uma sociedade vive. Aliás, não custa dizer. Honestidade não é um valor moral. Honestidade é um Estado que tende a funcionar melhor para todos.

DiDi e a nova etapa da disputa por dados na China

Em uma semana, a DiDi, o maior serviço de caronas da China e responsável pela 99 no Brasil, perdeu US$ 22 bilhões em sua avaliação de mercado. O motivo foi a decisão dos reguladores chineses em excluir o app das lojas virtuais do país citando violações graves na coleta e no uso de informações pessoais pela empresa. E não parou por aí: dias depois a empresa de recrutamento online Boss Zhipin e o “uber chinês de caminhões” Full Truck Alliance também entraram na mira e foram excluídos das plataformas.

O que está por trás dessa pressão da China sobre suas próprias big techs é uma disputa por dados. Além de serem todas empresas de tecnologia, o que têm em comum é que acabaram de abrir seu capital nos EUA — a DiDi levantou US$ 4,4 bilhões em seu IPO em Nova York. O problema, na visão do governo chinês é que em dezembro, os EUA aprovaram uma lei que dava três anos para as empresas chinesas listadas no país compartilharem seus arquivos de auditoria com os órgãos reguladores americanos. A resposta da China veio em junho. Aprovou uma Lei de Segurança de Dados que exige que as chinesas tenham autorização do governo chinês antes de fornecer quaisquer dados para órgãos estrangeiros judiciais ou de segurança.

Para especialistas, a DiDi foi usada como exemplo, não só para desestimular as techs a abrirem seus capitais nos EUA, mas mostrar que há uma ameaça regulatória mais séria — a DiDi é a primeira empresa a ser alvo do processo de segurança cibernética invocado pelo órgão chinês, que foi introduzido há pouco mais de um ano, mas nunca tinha sido usado.

Isso significa que não é um simples caso de antitruste contra a empresa, mas sobre questões de segurança nacional. O órgão regulador não deu detalhes, mas disse que a empresa infringiu a forma como anda coletando os dados de seus 377 milhões de usuários na China. O jornal Global Times, ligado ao governo, acusa a empresa de realizar análises de comportamento por meio de seus dados de viagens. “Nunca devemos permitir que qualquer gigante da Internet controle um super banco de dados que tem informações pessoais mais detalhadas do que o estado, muito menos dar a ele o direito de usar os dados à vontade”, escreveu.

Até recentemente, as big techs na China tinham liberdade para operar seus serviços e coletar dados do usuários. Mas com a pandemia, enquanto o governo lançava seus apps de monitoramento, se tornou evidente que os dados dos chineses estão concentrados em empresas como Alibaba e Tencent. Desde lá, o presidente Xi Jinping colocou na agenda do governo mais restrições às techs. Não é à toa que o IPO do Ant Group foi cancelado às vésperas e o governo exigiu que a fintech compartilhe os seus dados. Enquanto o Alibaba foi multado por antitruste no valor recorde de US$ 2,8 bilhões. E ainda cerca de 130 empresas já estão sendo investigadas pelo órgão regulador chinês.

Os CEOs das techs não têm outra opção a não ser acatarem. Jack Ma praticamente desapareceu da vida pública desde o cancelamento do IPO do Ant e o aumento das exigências regulatórias. E Cheng Wei, da DiDi, está quieto desde a exclusão do app das plataformas.

O valor da música nos tempos de streaming

Enquanto músicos seguem reclamando que plataformas de streaming como o Spotify não pagam o suficiente por suas faixas, o mercado financeiro mostra que tem muito dinheiro a ser feito com elas. Desde 2016, um ano após o lançamento do Spotify, que alguns dos maiores fundos de investimento do mundo vêm disputando a tapa para comprar catálogos musicais.

Um dos primeiros movimentos foi o investimento de US$ 300 milhões do BlackRock em uma empresa chamada Primary Wave, que possui os direitos de mais de 15 mil músicas de artistas como John Lennon, Kurt Cobain, Steven Tyler e até mesmo parte dos direitos do catálogo de Bob Marley. Em 2019, o banco de investimentos Morgan Stanley comprou por mais de US$ 60 milhões os direitos de Jeff Bhasker, colaborador de Kanie West. No começo deste ano, a KKR, outro grande fundo que em geral investe na compra e venda de empresas, comprou a maior parte dos direitos do catálogo de 500 músicas de Ryan Tedder, com valor estimado de US$ 200 milhões. Tedder compôs músicas para artistas como Beyoncé, Adele e OneRepublic.

Mas talvez ninguém seja tão agressivo quanto a Hipgnosis Songs, que abriu seu capital na bolsa de Londres em 2018 e de lá pra cá já investiu quase US$ 2 bilhões na compra de catálogos. Hoje, conta com um acervo de mais de 64 mil músicas de artistas como Neil Young, Fleetwood Mac, Steve Winwood e Chrissie Hynde, dos Pretenders. Essa semana, a Hipgnosis divulgou os resultados de seu último ano fiscal, em que faturou mais de US$ 160 milhões, com lucro de US$ 38 milhões. Mas talvez um dos dados mais impressionantes é que a empresa é dona de 36 das 156 canções da recém-divulgada lista das músicas com mais de 1 bilhão de streams no Spotify. As receitas com streaming foram responsáveis por um terço do seu faturamento.

Quem também está fazendo um bom dinheiro com streaming é o Queen. A banda cujo último disco foi lançado 26 anos atrás é uma das que mais fatura nas plataformas. A banda está listada como a 38a mais ouvida no Spotify, com mais de 37,6 milhões de audições por mês. Mais do que Kanye West (35.8m), Beyoncé (32.6m), Beatles (24.3m), e Jay-Z (21.6m). Os direitos são ainda da Queens Productions Ltd, cujos donos são os 3 membros remanescentes da banda, mais os herdeiros de Freddie Mercury. Em 2020, a empresa faturou cerca de US$ 58 milhões. Pelos cálculos do Music Business Worldwide, se o catálogo fosse vendido pelos múltiplos que fundos de investimento estão pagando, o catálogo do Queen valeria hoje mais de US$ 1 bilhão.

Pois é... Ao que parece Bob Lefsetz tinha razão quando disse que os velhos que controlam a indústria da música não sabem do que estão falando.

Um jogral, múmias tatuadas, florestas escuras, estantes decorativas e mais uma polêmica por conta de seios, nos mais clicados desta semana:

1. Estado de Minas: O jogral de Aziz e Randolfe na CPI da Pandemia essa semana.

2. NY Times: Tatuagens em múmias congeladas ajudam artistas a resgatar elos culturais.

3. Guardian: Belas e assustadoras, as florestas britânicas à noite.

4. O Globo: Teleconferências criam onda de ‘estantes ornamentais’.

5. Toronto Sun: Capa do novo álbum de Halsey gera polêmica por seio à mostra.

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A rede social perfeita para democracias

24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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