Edição de Sábado: Quando a Ciência era Pop

O cientista interpretado pelo ator Kevin McCarthy em Invasion of the Body Snatchers (trailer), de 1956, não veste jaleco ou fuma cachimbo como era o estereótipo deste tipo de personagem no cinema daquele tempo. Ainda assim, o filme que no Brasil saiu com o título Vampiros de Almas é um clássico do cinema B de ficção-científica e, na maneira como foi construído, nos temas que toca, traz em si a essência do gênero naquela que foi sua era de ouro. Esta semana chegou aos cinemas a nova adaptação de Duna (trailer), baseado no romance lançado por Frank Herbert em 1965. Em setembro estreou na Apple TV+ a série Fundação (trailer), a primeira adaptação audiovisual da trilogia de Isaac Asimov, publicada entre 1942 e 50. Estas duas estreias são um convite para entender o tempo em que surgiram, um de completo fascínio pela ciência, e o tempo em que vivemos no qual este fascínio declina.

A literatura de ficção-científica lançada entre os anos 1940 e os 60, em alguns casos, é considerada de grande qualidade. O mesmo não pode ser dito do cinema — há exceções, como O Dia em que a Terra Parou (trailer), Planeta Proibido (trailer) e 2001 (trailer). Mas são exceções. Ainda assim, tanto por escrito quanto em filme são frutos de uma mesma transformação do mundo.

A gente perde com muita facilidade a noção do que foi a Segunda Guerra Mundial e a ruptura com o passado que seu fim representou. É uma ruptura que está, por exemplo, na Bomba Atômica. “Houve um trauma quando ficou claro que, até o fim da história humana, toda pessoa passaria a vida não apenas lidando com a ideia da própria morte, que é certa, mas também com algo quase insuportável psicologicamente”, escreveu Susan Sontag num ensaio sobre ficção-científica. “A extinção de toda humanidade que poderia ocorrer a qualquer momento, sem qualquer aviso.”

A ruptura não estava apenas na ideia de que novas armas haviam sido criadas que poderiam incinerar a vida na Terra. Estava também no lento processar do que havia sido o fascismo, principalmente após a extensa divulgação das imagens dos campos de concentração. A ideia de que pessoas poderiam se organizar em sociedades uniformizadas, com uma autoridade central que tudo vê, tudo conhece, tudo determina. Sociedades onde o coletivo se impõe sobre qualquer traço de individualidade. Quase que uma seita. A vitória sobre o Eixo não eliminou este medo. Durante o stalinismo, a União Soviética e o Leste Europeu não pareciam tão diferentes aos olhos das democracias liberais.

Não bastasse a segunda metade do século 20 se iniciar marcada por estas sombras, também houve um fenômeno demográfico. O baby boom. Após a Grande Depressão, após uma guerra que custou a vida de 80 milhões, após a destruição de meia Europa, inúmeras cidades chinesas e outro tanto do Japão, veio gana de vida. E, em todo mundo, pessoas tiveram filhos. A geração nascida nos anos 1940 formou um novo público, com novo gosto, rapidamente percebido como um novo tipo de consumidor: o jovem. Uma pesquisa da Associação de Produtores de Cinema Americanos identificou que, em 1957, 21% do público que assistia filmes tinha entre 15 e 19 anos. Outros 15% tinham entre 10 e 14. Nunca a indústria do entretenimento havia produzido para este público que já deixou de ser criança mas ainda não é propriamente adulto. Um público que, nos Estados Unidos, todo semestre passava por ensaios em suas escolas sobre como se proteger em caso de um ataque nuclear. No ano de 1950, o número de revistas voltadas à ficção-científica, nos EUA, saltou de oito para vinte títulos. O cinema foi junto.

O que faz de Invasion of the Body Snatchers marcante é justamente o mergulho em todos estes pesadelos na busca deste público. Numa pequena cidade da Califórnia, as pessoas vão sendo aos poucos substituídas por exatas duplicatas suas. Seus corpos desaparecem e os substitutos parecem autônomos — é uma invasão extraterrestre. A humanidade será substituída por seres que compartilham de uma mesma consciência única. A extinção completa da espécie humana e a ideia de uma sociedade onde qualquer traço individual seja eliminado numa peça só. A salvação, claro, passa por um homem da ciência que dispara o alerta. Só quando ele é ouvido uma solução pode surgir.

É claro que ficção-científica continua a existir — mas ela é diferente. Compare-se duas versões cinematográficas do Guerra dos Mundos, ambas baseadas no romance escrito por H. G. Welles na última década do século 19. No filme de 1953 (trailer), o personagem principal é um físico nuclear interpretado por Gene Barry. São seus alertas, suas interpretações, que guiam o filme. Na superprodução de 2005 (trailer), dirigida por Steven Spielberg, é Tom Cruise quem interpreta o herói. Ele é um estivador no porto de Nova York — um homem comum, movido a ação e intuição. Não a conhecimento.

Então o que mudou?

O que a ciência promoveu, de forma concentrada, entre as décadas de 1940 e 60 tem algo de extraordinário. Nunca antes tantas revoluções se deram em tão pouco tempo. Estas transformações, estas inovações, continuam a acontecer. Mas nos acostumamos a elas. Aquilo era novo. A penicilina foi descoberta pelo escocês Alexander Fleming em 1928 — mas o primeiro antibiótico baseado nela só foi industrializado em 1942. Toda produção era utilizada pelo exército Aliado — os soldados do Eixo morriam de infecções por bactéria, como toda a humanidade até então. Os soldados aliados, não. Foi a partir de 1945 que antibióticos começaram a ser vendidos em farmácias. A morte à toa, a morte por bactéria, sempre havia sido um fato inevitável da experiência humana. Pessoas morriam mais do que morrem hoje. Quando a vacina da poliomielite foi enfim aprovada, em 1955, a paralisia infantil começou a acabar. Ter criança era ter um ser frágil que a qualquer momento poderia adoecer gravemente. A vacina da pólio, seguida de outras tantas, fez parte da promoção daquele novo ‘mercado’ de jovens em quantidades nunca vistas. Jovens saudáveis.

Mas não foi apenas na medicina e na biologia. A bomba atômica e o míssil nuclear trouxeram o medo na forma de física. E o lançamento do satélite Sputnik, em 1957, tirou o espaço sideral com o qual a ficção-científica tanto havia trabalhado da ficção. Viagens para fora da Terra repentinamente eram possíveis.

Em Fundação, o matemático Hari Seldon desenvolve uma teoria que lhe permite antever a história com base em estatística e sociologia de massas. Embora não possa prever o que acontecerá com pessoas, os grandes movimentos podem ser antecipados e algumas mudanças de curso promovidas. Asimov, um judeu russo cuja família havia fugido após a Revolução para Nova York, tinha apenas 22 anos quando publicou o primeiro conto do qual nasceu sua trilogia — mas esta ideia de que cientistas imaginam soluções inovadoras é a ideia marcante daquele período.

E é desta ideia que vem, igualmente, o ataque à ciência. Na ficção-científica, fosse literária, fosse no cinema, os cientistas tinham respostas. Pois também é uma marca dos anos 1950 e 60 a sofisticação da arte da publicidade. Em 1969, um executivo da British American Tobacco escreveu aos chefes um memorando em que sugeria uma estratégia para enfrentar os primeiros estudos que ligavam o hábito de fumar a certos cânceres. “Nosso produto é a dúvida”, ele afirmou. “É a melhor forma de lidar com o ‘corpo de evidências’ que existe na mente do público geral. É também o meio para estabelecer controvérsia.”

O memorando foi desencavado por David Michaels, um epidemiologista que trabalhou nos governos de Bill Clinton e de Barack Obama e é autor de dois livros a respeito do que ele chama de ‘indústria da dúvida’.

O que a indústria tabagista percebeu é que há distinções relevantes entre resultados científicos, a linguagem de cientistas e a compreensão popular do que cientistas dizem. E esta era uma oportunidade publicitária. Frequentemente, os resultados de inúmeras pesquisas já apontam numa direção, cientistas já formaram consenso e, no entanto, ao explicar publicamente um resultado com rigor, sempre deixam aberto o espaço para a dúvida. É inerente ao método científico. A dúvida é interpretada pelo público geral, porém, como ausência de consenso.

Nada explica o espaço de confusão melhor do que a palavra teoria. Para um cientista, teoria é o princípio geral que explica um fenômeno. A Teoria da Gravidade, assim como a Teoria da Evolução Natural das Espécies, representam a descrição de fenômenos da natureza conforme a ciência os compreende. Quando chegamos à fase da teoria é porque a ciência é consensual e já compreendemos os princípios que explicam algo.

Na linguagem popular é o contrário — teoria é uma hipótese, algo que pode ser verdade, mas não necessariamente é. Para muitos, o nome já diz: “teoria da evolução é só uma teoria.”

Por décadas, a indústria tabagista pescou os parcos estudos que sugeriam não haver elo entre fumar e câncer, contratou cientistas para serem seus porta-vozes, tirou aspas de contexto, e se aproveitou na imprensa do hábito de dar espaço aos dois lados para, sempre que foi possível, implantar a dúvida. Só no final dos anos 1990 que o tabaco começou a ser pesadamente regulado. Uma tática de judô: usar da força da ciência, que vem de seu método sempre aberto a perguntas, para por em dúvida qualquer conclusão científica.

A indústria química, a indústria do petróleo, a indústria nuclear, todas passaram a usar os truques que Big Tobacco criou. Com o passar do tempo, usaram deste arsenal, também, líderes religiosos e movimentos políticos. É assim que o combate às mudanças climáticas perdem espaço, é assim que movimentos anti-vacina nascem. É assim que surge a política da desinformação.

O processo não tem viés ideológico. Há irracionalidade científica de esquerda — ‘a vacina não é natural’, ‘o petróleo é nosso’, ‘comida transgênica modifica genes’ — e há irracionalidade científica de direita — ‘a vacina é chinesa’, ‘aquecimento global não existe’, ‘evolução é anti-religião’.

Mas a diferença fundamental é só uma. Quem por razão de busca de lucro, com objetivo político ou intenção religiosa combate conclusões científicas usa as armas da comunicação. Compreende que esta é uma briga que se ganha ao convencer gente o bastante de uma ideia, não importa se é verdade ou não. Do lado da ciência a linguagem é cada vez mais rebuscada, mais complexa, mais preocupada em elencar argumentos sem atenção necessária a explicar de forma simples.

Algo que a ficção-científica de tempos passados sabia fazer.

"Auxílio Brasil é um Emergencial com cara de ‘ticket eleição'", diz economista que ajudou a criar o Bolsa Família

No último dia 20 o Bolsa Família,maior programa de transferência de renda já feito no país, completou 18 anos. E justamente nessa maioridade, o ministro da Cidadania, João Roma, lançou o Auxílio Brasil, que deverá substitui-lo já em novembro com um reajuste geral de 20% no valor dos benefícios. O novo programa foi proposto pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso em agosto deste ano, por meio da Medida Provisória (MP) 1061/2021. De olho nas eleições de 2022, Bolsonaro estabeleceu em R$ 400 o novo benefício, mais que o dobro da média atual do Bolsa Família, de R$ 189, mas deixa lacunas no redesenho do programa e incertezas sobre a fonte de custeio. Na avaliação de especialistas, o Auxílio Brasil é um retrocesso da transferência de renda no Brasil, um crime em curso contra os pobres que só privilegia motivações eleitorais.

Para o economista Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco e um dos criadores do Bolsa Família, o novo programa é uma nova versão do Auxílio Emergencial, criado durante a pandemia, que dá um empurrão na economia em meio à crise, mas serve apenas como um alívio momentâneo, sem tratar o problema da pobreza de forma precisa e estrutural. Henriques foi secretário executivo do Ministério de Assistência e Promoção Social, quando coordenou o desenho e a implementação do programa. O economista também acredita que comprometer as Contas Públicas e o cenário fiscal para ampliar o valor do benefício pode ‘retroalimentar’ a inflação, prejudicando os mais pobres. E ele explica tudo isso com exclusividade para o Meio.

No caso do Auxílio Brasil, aumentar o valor da transferência de renda e o número de beneficiários é uma tática efetiva na redução da pobreza e da desigualdade?

Aumentar o valor da transferência e o volume de beneficiários, desde que se identifique os pobres, é sempre positivo. A questão é que fazer isso desmontando o Bolsa Família faz com que seja pouco provável que isso aconteça sem uma mudança mais estruturada para o enfrentamento da condição de pobreza extrema. Desde que desenhamos o Bolsa Família, o programa sempre foi baseado nas experiências do Brasil e de outros países e na literatura científica. É um programa que evoluiu e possui inúmeras evidências de impacto positivo no alívio da pobreza. Além da distribuição de mais dinheiro para as pessoas, o Bolsa Família influencia na melhora das condições de vida por meio da redução da mortalidade, no aumento da qualidade da saúde, sobretudo com o pré-natal e a vacinação, e a frequência no número de crianças e adolescentes na escola, que é maior entre os beneficiários do Bolsa Família.

Qual o aspecto mais importante do Bolsa Família?

A principal característica do programa é que ele ajuda a quebrar o ciclo geracional da pobreza. Ou seja, os filhos dos pobres podem deixar de ser pobres e, portanto, não terem filhos pobres. Isso porque aumenta a chance de que crianças e adolescentes tenham um “mergulho educacional” mais intenso, aumentando as oportunidades e gerando mobilidade social.

O programa também tem uma metodologia mais detalhada, não?

Sim. O Bolsa Família é feito a partir do CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais), que permite mapear os graus de vulnerabilidade de cada família: quantos membros possui, quantos trabalham, estudam, se possuem alguma deficiência ou até mesmo se há algum dependente químico. Então, além dos resultados a médio prazo, o CadÚnico ajuda na “digestão” da política social e a endereçar cada família para outros produtos sociais. Já o Auxílio Brasil está estritamente dedicado ao curto prazo, no alívio da pobreza, o que em si é positivo, já que ele tem um valor per capita maior. O Bolsa Família também deveria ter um valor per capita maior e incorporar mais pessoas. Mas, ao acabar com o Bolsa Família, o Auxílio Brasil não dá conta de nenhuma destas outras dimensões de políticas sociais. Na prática, o Auxílio Brasil é um auxílio emergencial com cara de ‘ticket eleição’.

Esse alívio da condição de pobreza a curto prazo, somado ao fato de ser um programa temporário, pode agravar ainda mais esse retrocesso?

Com certeza. Perceba que há uma coerência nessa perversidade, a do Auxílio Brasil. Ao colocá-lo como um programa temporário, supõe-se que o Estado tem pouca ou nenhuma responsabilidade com a mobilidade social e igualdade de oportunidades. É uma abordagem utópica no tempo e sobre sua potência de transformação. O fato de não ter um Cadastro Único, cuja última atualização para o governo federal foi em março de 2020, é um sintoma da ignorância sobre a política social contemporânea e um desprezo com a situação de vulnerabilidade. É um retrocesso nos padrões do que era a plenitude da ignorância de política social nos anos 1950 no Brasil e no mundo, que radicalizou o populismo de clientela.

Com os impactos da pandemia de coronavírus, o Auxílio Brasil ou mesmo o Bolsa Família, se continuado, precisam de medidas específicas para mitigar os efeitos da crise?

A situação da pandemia tornou a condição de vulnerabilidade da população mais intensa, e o drama associado ao volume de vítimas, 600 mil pessoas, que incidiu sobre as famílias mais vulneráveis e de forma desproporcional sobre a população negra. Você vê um aumento na fragilidade da renda familiar dos adultos vitimados pela doença também de forma desproporcional. O que precisaria ser feito é aprofundar e melhorar o Bolsa Família ao contexto da pandemia, que provocou o aumento da insegurança alimentar e sanitária, e criar condições melhores de habitação e moradia, e obviamente de combate à fome, com foco na primeira infância. Ou seja, integrando com outras políticas sociais. E não tem como fazer isso sem o auxílio do Cadastro Único atualizado.

Viabilizar o Auxílio Brasil furando o teto de gastos não cria o risco de comprometer as contas públicas e aumentar a inflação, o que acaba sendo pior para os mais pobres?

Esse ajuste fiscal, associado às formas de financiamento não explicitadas e pouco responsáveis, terá impactos sobre a inflação, que já caminha para seus dois dígitos, e na desorganização do câmbio. Todo esse efeito composto é desproporcionalmente mais punitivo para os mais pobres. Então, desorganizar as contas, aumentando a pressão inflacionária, criando uma situação de crise mais duradoura - sendo que ainda não saímos da crise anterior -, tenderá a uma redução dos efeitos positivos do Auxílio Brasil no alívio à pobreza. Diante da crise em que vivemos, que pune mais essa população também beneficiada pelo auxílio emergencial, é um jogo perde-perde. Você perde o desenho da política social preocupada em gerar oportunidade e transformar a sociedade, e perde os próprios ganhos de alívio à pobreza.

Como saldo duradouro e pós-eleições 2022, qual legado você prevê para o Auxílio Brasil?

O Auxílio Brasil, mantidos os parâmetros do auxílio emergencial - tudo indica que assim será - terá como implicação o alívio momentâneo da pobreza com o desmonte da política social. Portanto, perde todos os acúmulos e ganhos do Bolsa Família para a população mais pobre. Será um desmonte duradouro no desenho da política social e consolidação de uma política de subordinação de clientela que olha para os mais pobres com uma agenda sem nenhuma empatia e simplesmente movida pela situação emergencial, abrindo mão da responsabilidade do Estado de desenhar uma política integrada de igualdade de oportunidade e equidade. Seria muito bom aumentar o valor de transferência de renda e famílias beneficiadas, mas o caminho deveria ser aumentar isso dentro do desenho institucional do Bolsa Família.

A morte de verdade no mundo do faz-de-conta

“Não há palavras para expressar meu choque e tristeza em relação ao trágico acidente que tirou a vida de Halyna Hutchins, esposa, mãe e nossa colega profundamente admirada.” Assim o ator Alec Baldwin, de 63 anos, comentou o que aconteceu na quinta-feira no set de filmagens do western Rust (Ferrugem). Ele disparou um revólver cenográfico que, não se sabe o motivo, estava carregado com balas de verdade, atingindo a diretora de fotografia Hutchins, de 42 anos, e o diretor e roteirista Joel Souza, de 48 anos, que ficou ferido sem gravidade. Hutchins chegou a ser levada para um hospital, mas não resistiu. A polícia investiga por que a arma estava “quente” (carregada).

Por mais terrível e incomum que seja, o acidente nas filmagens de Rust não é inédito no mundo do cinema. Um erro da produção, uma marcação ligeiramente fora do lugar ou às vezes o mau e velho imponderável podem fazer com que a morte de verdade ou sequelas graves invadam o reino de faz-de-cota das telonas e telinhas. Não estamos falando de dublês, cuja natureza do trabalho envolve riscos, nem de atores como Jackie Chan e Tom Cruise, que fazem eles próprios as cenas de perigo – Cruise já foi amarrado do lado de fora de um jato militar em voo. Claro que as vidas e a integridade física deles são tão importantes quanto de qualquer pessoa, mas o risco está implícito. O caso aqui era quem, em tese, estava ou deveria estar trabalhando em segurança.

O primeiro acidente com morte em filmagens foi particularmente bizarro. Em 1914, a atriz Grace McHugh deveria atravessar a cavalo o Rio Arkansas numa cena de Across The Border, mas acabou caindo na água. O cinegrafista Owen Carter mergulhou para salvá-la, mas, sem se dar conta, a puxou para um banco de areia movediça, onde os dois se afogaram. Cinco anos depois, o comediante Billie Ritchie levou um coice de avestruz numa filmagem. Ele nunca se recuperou e morreu em 1921.

A maldição dos Lee

O caso mais famoso, por diversos motivos, foi o de Brandon Lee (1965-1993), morto durante as filmagens de O Corvo (trailer no YouTube), no qual interpretava o músico Eric Draven, assassinado com a namorada e trazido de volta por um corvo para se vingar. Numa das cenas ele confronta um dos vilões, vivido por Michael Massee, que descarrega um revólver em Draven, agora imune aos tiros. Mas tudo deu errado.

A arma havia sido usada em outra cena com balas inertes, que têm projétil, mas sem pólvora. Uma delas ficou presa no cano, e o técnico que as trocou por balas de festim (com pólvora, mas sem projétil) não notou. A pólvora do tiro de festim impulsionou a bala inerte, que, a curta distância, atingiu Lee na barriga. Ele morreu dias depois, e o filme, que estava quase concluído, foi um enorme sucesso.

Mas a morte de Brandon Lee teve um aspecto mais bizarro. Ele era filho do lendário Bruce Lee (1940-1973), morto por um edema cerebral dias antes do lançamento de seu último filme, Operação Dragão (YouTube), que o elevou à condição de astro mundial. Antes, ele havia gravado cenas de luta (YouTube) para Jogo da Morte, mas não o suficiente. Os produtores entregaram o material ao diretor Robert Clouse, o mesmo de Operação Dragão, que reescreveu a história. Lee agora era Billy Lo, um ator e lutador que entra em confronto com a máfia de Hong Kong. Sem que as pessoas saibam, ele sobrevive a uma tentativa de assassinato e, quase sempre disfarçado (três dublês foram usados), vai atrás dos mafiosos. Como é a “tentativa de assassinato”? Numa cena de tiros, uma das armas miradas em Billy Lo tinha balas de verdade. No caso dos Lee, a vida imitou tragicamente a arte.

Brincando com a sorte

Tem quem provoque, é verdade. O ator Jon-Erik Hexum estava entediando com os longos intervalos nas filmagens da série Retrato Falado (Cover Up), em 1984, e, sabendo que a pistola que carregava tinha balas de festim, “brincou” de dar um tiro na cabeça. Como vimos há pouco, balas de festim têm pólvora, provocam uma explosão e deslocamento violento de ar. Com a arma encostada na pele, a pressão provocou traumatismo craniano e uma imensa hemorragia. Ele já chegou morto ao hospital.

Em 1967, o cinegrafista John Jordan filmava no Japão uma cena de Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (YouTube) e teve o pé decepado pela hélice de um mini-helicóptero. Ele sossegou? Não. Seguiu carreira e, em 1970, era diretor assistente em Ardil 22. Por algum motivo, achou desnecessário usar equipamento de segurança durante uma cena de bombardeio filmada num B-52 de verdade em voo. Acabou sugado pela turbina.

O horror veio de cima

Uma aeronave causou também uma das maiores tragédias diante das câmeras. O filme era uma adaptação para o cinema da série Além da Imaginação, e o veterano Vic Morrow (1929-1983) interpretava um homem preconceituoso e violento, forçado a reviver momentos de sua vida na pele de suas vítimas. Em uma das cenas, ele era um vietnamita tentando salvar duas crianças do ataque de um helicóptero militar americano. Voando baixo, a aeronave foi atingida pelos fogos dos efeitos especiais e caiu sobre os três. Morrow e Myca Dinh Le, de sete anos, foram decapitados, Renee Shin-Yi Chen, de seis, foi esmagada. A comoção e o processo que se seguiram foram tão grandes que levaram a mudanças nas leis sobre segurança em filmagens.

Falamos apenas das mais inusitadas ou marcantes mortes em cena; a lista é muito maior. E se incluíssemos os gravemente feridos, ficaríamos aqui para sempre. Ellen Burstyn e Linda Blair, que viviam mãe e filha em O Exorcista (YouTube), de 1973, terminaram as filmagens com fraturas na coluna. Um erro na montagem do alçapão de onde sairia em meio a fogo e fumaça em O Mágico de Oz (YouTube), de 1939, deixou Margaret Hamilton, a Bruxa Má do Oeste, com graves queimaduras. Linda Hamilton e Bruce Willis são parcialmente surdos até hoje por conta de tiros anormalmente barulhentos em O Exterminador do Futuro II (YouTube) e Duro de Matar (YouTube), respectivamente. E por aí vai. A Sétima Arte nem sempre é gentil com seus artistas.

E assim como quem não quer nada, chegamos aos mais clicados da semana:

1. g1: Cisne Branco, navio escola da Marinha do Brasil bate em uma ponte no Equador.

2. Youtube: Intérprete de libras se emociona ao traduzir relato de órfã da pandemia na CPI da Covid.

3. Exame: Metaverso, o novo plano de Zuckerberg para dominar o futuro da Internet.

4. Spotify: No pé do Ouvido, a versão em podcast do Meio, que estreou essa semana.

5. UOL: Golpe ‘sequestra’ contas do WhatsApp com ajuda do próprio usuário.

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A rede social perfeita para democracias

24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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