Edição de Sábado: A Alemanha quer Reinventar a Esquerda

A Alemanha é parlamentarista — o Poder Executivo, o conjunto de pessoas que governa, sai do Bundestag, equivalente à Câmara dos Deputados brasileira. Assim, a cada ciclo eleitoral, quando os deputados são eleitos, o partido com mais cadeiras é convidado a se juntar com outras legendas de forma que, numa coalizão, tenham pelo menos metade mais um dos votos. Não é uma arte simples compor assim — na Alemanha, não tem Centrão. Cada partido tem seu programa escrito, uma visão prática de como sua ideologia se aplica na hora de governar. Assim, a coalizão nasce de um novo programa de governo com o qual todos concordem, que de alguma forma misture os projetos de quem a compõe. Na semana que começa em 6 de dezembro, o advogado Olaf Scholz substituirá a premiê Angela Merkel que está há 16 anos no comando do governo alemão. A aliança de seu Partido Social Democrata com o Partido Verde e os liberais do Democratas Livres tem uma nova visão de esquerda para propor ao mundo. Nos objetivos, é muito similar ao futuro que o governo de Joe Biden enxerga para os EUA. Mas, no caminho para fazer, é bastante diferente.

Exatamente como nos EUA de Biden, a Alemanha de Scholz tem um objetivo com duas metas: redesenhar a infraestrutura do país para garantir acesso digital a todos e substituir por energia limpa a base que hoje depende de combustíveis fósseis. Mas, diferentemente dos EUA, o governo alemão não vai aumentar a dívida pública para atingir seu objetivo. Fará o contrário. O novo governo vai restabelecer o teto de gastos constitucional que Merkel suspendeu em 2020 por conta da pandemia.

Ao longo dos últimos dois meses, os três partidos escreveram um acordo, um documento de 177 páginas, 52 mil palavras, que é tanto um contrato quanto uma peça de marketing. Na semana que entra, os líderes de cada legenda voltam aos partidos para convencer seus afiliados. Precisam aprovar o projeto numa votação. Deve acontecer, ninguém espera qualquer surpresa. E todo mundo tem consciência de que pagar pelo programa, que é particularmente ambicioso, sem contrair dívida, não vai ser trivial. Por isso mesmo que há muito de marketing.

O que diz o programa

Tanto o projeto do Partido Social Democrata (SPD) quanto o do Partido Verde exige gastos. São, ambos, forças que se colocam na centro-esquerda alemã. O Democratas Livres (FDP) é um partido liberal que vem da centro-direita e tem particular preocupação com o controle de gastos. Foi na busca deste equilíbrio que os negociadores se debruçaram.

O novo governo alemão não só vai restabelecer o teto de gastos como também não aumentará impostos. Além disto, vai tirar da conta de luz uma taxa que hoje serve para financiar a troca da base energética. Ou seja, o Estado assumirá sozinho estes custos que até aqui compartilhava com a população. A expectativa é de que o mercado nacional e internacional de carbono, pelo qual quem suja a atmosfera de CO2 paga a quem limpa para compensar, possa substituir em parte este dinheiro. Não será um gasto pequeno.

Com o objetivo de cumprir as metas do Acordo de Paris, a Alemanha quer chegar a 2030 zerando o uso de carvão mineral e com uma base em que 80% da energia venha de fontes renováveis. Até 2% do território alemão será dedicado a turbinas de vento e todos os novos prédios serão obrigados a cobrir seus terraços ou telhados com painéis solares. Hoje, um quarto da energia alemã vem de quarenta e poucas termelétricas movidas a carvão importado da Rússia. Diminuir a dependência de Moscou é outro objetivo — o Kremlin é um parceiro agressivo, Vladimir Putin não é confiável. Apenas 35% da energia alemã é renovável, atualmente.

Prédios novos para estes painéis solares não vão faltar. A meta é de que 400 mil novos apartamentos entrem no mercado por ano, um quarto deles vendidos com valores subsidiados. A burocracia para quem compra o primeiro imóvel será toda facilitada. Na avaliação do novo governo, há déficit de um milhão de moradias no país e metade da população paga aluguel. Querem diminuir isto.

O Banco de Desenvolvimento Alemão, KfW, equivalente ao nosso BNDES, será todo voltado para executar esta política verde. Hoje ele se alimenta de dinheiro no mercado de capitais, vendendo títulos que são garantidos pelo governo federal (80%) e pelos estaduais (20%). O KfW será fundamental para que o governo se equilibre no jogo de cintura do equilíbrio fiscal. É que seus investimentos são contabilizados de forma generosa perante o teto de gastos.

Com o jogo posto assim no tabuleiro, as preocupações de Verdes com energia, do SPD com moradia e do FDP com austeridade são atendidas.

A pandemia deixou claro, para os alemães, como o país está atrasado em sua infraestrutura digital. Tem uma das piores redes 4G da Europa, metade das escolas não tem WiFi, o sistema público de Saúde usa fax. Nos próximos anos, digitalização plena das escolas e uma rede 5G que cubra todo o país são prioritárias. Os dados de saúde de toda população serão também digitalizados embora, com a obsessão que os alemães têm com privacidade, quem desejar poderá pedir para que seus dados pessoais sejam mantidos em papel. Este movimento por uma Alemanha mais digital é desejo dos três partidos. E ele conversa com uma preocupação particular dos liberais: empreendedorismo.

Vão ser criados postos de atendimento rápido, similares aos Poupatemos de São Paulo, para quem quer abrir uma empresa. Tudo se resolve em menos de um dia. As regras para pequenas empresas e empresas individuais serão facilitadas, fundos de pensão serão incentivados a investir em startups. A ordem é desburocratizar.

Ao mesmo tempo, aí a preocupação é dos social-democratas, o salário mínimo vai saltar de €9,60 a hora para €12.

Um ponto particularmente obscuro no texto é a mudança do seguro desemprego. Hoje, o benefício atende pelo nome burocrático de Hartz IV. Foi batizado assim em princípios do século, durante o governo Gerhard Schröder, por ter sido desenhado num comitê dirigido por Peter Hartz, vice-presidente de Recursos Humanos da Volkswagen. Pois sai de cena o Hartz IV e entra a Bürgergeld, ou renda do cidadão. No Twitter alemão, o debate sobre se nome diferente significa uma mudança real da política é intenso. Não está claro. Hoje, existem condições para receber o auxílio estatal. Quem recusa um emprego, por exemplo, perde parte do subsídio. Mas, da forma como o dinheiro é garantido, há pouco incentivo para que as pessoas busquem formas alternativas de renda. Afinal, quando se ganha um extra a partir de certo valor, também se perde subsídio. Bürgergeld não será um programa de garantia de renda mínima, mas deve incentivar que as pessoas busquem rendas alternativas sem serem penalizadas com perda de subsídio. A lógica é de que o movimento na economia compense o gasto do Estado com o programa.

Outro ponto delicado da negociação com os liberais foi o de reformar a Previdência. Eles concordaram em não mexer nas aposentadorias — nem nos valores, nem na idade mínima. Mas não é uma decisão simples. A população alemã está envelhecendo e diminuindo. Em 2060, haverá 74 milhões alemães. Hoje, são 83 milhões. Piora: serão 11 milhões menos pessoas no mercado de trabalho e cinco milhões mais de aposentados. A conta não fecha. A coalizão, portanto, pretende compensar com imigração. Estudantes estrangeiros terão acesso facilitado às universidades do país — a esperança é claramente de que fiquem. Novos programas para imigrantes com alto nível educacional serão criados. Quem viver legalmente na Alemanha por cinco anos terá direito a se naturalizar e dupla cidadania passará a ser autorizada.

É o tipo da política que faz sentido para social-democratas, verdes e liberais. Mas vai trazer resistência da direita, principalmente da direita dura, num país que tem histórico racista e de violência contra minorias étnicas. Mais recentemente, principalmente de ascendência turca e árabe.

Dando sentido

O Partido Social Democrata alemão é um dos mais antigos do mundo — tem 146 anos. Manteve-se de pé mesmo durante o período nazista, quando operou no exílio em Praga, depois em Paris e, então, em Londres. É, junto com a conservadora Democracia Cristã de Angela Merkel, uma das duas principais forças políticas alemãs do pós-Guerra para cá. Nasceu como um partido marxista e, durante o século 19 até princípios do 20, foi o maior partido marxista europeu. Abandonou Marx em 1959, com a decisão política de se opor de forma clara às ditaduras comunistas. Ainda assim, o SPD foi membro da Internacional Socialista até 2013, quando deixou a entidade acusando-a de aceitar membros que violam direitos humanos. (O PDT é o atual representante brasileiro na IS.)

Olaf Scholz será o primeiro chanceler do SPD desde o governo Schröder, que atuou na virada do século. Naquele tempo, a legenda fez parte do movimento de Terceira Via que incluiu o Partido Democrata americano, o Partido Trabalhista britânico e mesmo o PSDB brasileiro. Foi um movimento de parte da centro-esquerda no mundo na direção de políticas econômicas pró-globalização, abertura de mercados e rigor fiscal. Hoje, mesmo internamente, há críticas ao que alguns acusam ter sido uma excessiva desregulamentação do setor financeiro que terminou por promover concentração de renda e aumento da desigualdade em todo o mundo.

Naquele tempo, a prioridade era se adaptar a uma era em que os fluxos de dinheiro estavam ganhando fluidez mundial e a manufatura barateou com a migração de fábricas para a Ásia. Hoje os problemas por resolver estão na geração de energia limpa, combate à desigualdade e acelerar digitalização. É salvar o planeta e se manter competitivo para o mundo pós-industrial que está nascendo.

Este novo governo ganhou por apelido a ‘Coalizão do Semáforo’. Tradicionalmente a cor do SPD é o vermelho e a bandeira dos Democratas Livres é amarela. Junte-se aos verdes e dá forma às luzes de um semáforo. Seu programa de governo tem por título Ousando buscar o progresso, uma aliança por liberdade, justiça e sustentabilidade. Uma palavra para cada uma das três legendas — o SPD se sente hoje mais representado pela ideia de justiça do que pela tradicional busca por igualdade que marcou a social-democracia na segunda metade do século 20. Nas políticas sociais a palavra ‘dignidade’ aparece com frequência, dando a entender que o objetivo é a garantia de uma vida digna para todos, mas não necessariamente diminuir a distância entre ricos e pobres.

Ao priorizar sustentabilidade e digitalização, a centro-esquerda de Berlim aponta para a mesma prioridade da centro-esquerda em Washington. Mas os dois se afastam em sua visão do liberalismo. Se dividem na aceitação da Teoria Monetária Moderna, ou MMT na sigla em inglês. Nos últimos anos, alguns economistas liberais abandonaram a visão dominante por quarenta anos, baseada nas ideias de Milton Friedman. A de que, ao se endividar excessivamente o Estado gera inflação. A MMT sugere que isto é apenas parcialmente verdade. Quando a dívida não é para aumentar o Estado e sim para investir na economia — em infraestrutura e em renda para as pessoas —, isto leva a crescimento do PIB que compensa a dívida e portanto não gera inflação.

Não há consenso a respeito e o debate está entrando na experimentação prática.

Pois, nisto, americanos e alemães se dividiram. O governo Biden abraçou a MMT. A Coalizão do Semáforo, não. O que não necessariamente resolve o problema. O projeto alemão é tão ambicioso quanto o americano. Partem, ambos, de uma visão do futuro próximo. Há uma corrida em curso. Quem se digitalizar e se tornar sustentável mais rápido será dominante na economia mundial das próximas décadas. Ninguém está com a infraestrutura pronta para isso e custa dinheiro. Nos EUA decidiram financiar o projeto com dívida. Na Alemanha, sem dívida. Não está certo que Berlim conseguirá pagar a conta. Tampouco está certo que os americanos não vão gerar inflação.

Os dados foram lançados.

Quando havia ordem na música

Há menos de uma semana, a cantora inglesa Adele conseguiu que o Spotify, um dos mais populares serviços de streaming de música no mundo, mudasse seu modelo de reprodução, tornando o modo contínuo padrão para álbuns, não só para seu novo lançamento, 30 (todos os links em nomes discos e canções neste artigo remetem para o Spotify). Ou seja, a reprodução acontece na ordem que foi pensada por artistas ou produtores. Ainda é permitido ao usuário, especialmente na versão para computadores, escolher a reprodução aleatória, mas ele precisa buscar o comando e fazer a mudança manualmente. “Não criamos álbuns com tanto cuidado e reflexão em nossa lista de faixas sem motivo. Nossa arte conta uma história, e nossas histórias devem ser ouvidas como pretendíamos. Obrigada, Spotify, por ouvir”, explicou a cantora no Twitter.

Mais que uma alteração de padrão num aplicativo, o movimento de Adele propõe a volta a um ciclo no consumo de música iniciado em 1948, com a introdução dos discos long play (LP) de vinil. Com a ressurgência desse formato, as gerações Z e Alpha estão experimentando o que era obrigatório para as anteriores: ouvir álbuns na ordem em que foram concebidos. E, querem saber? Isso é muito bom.

Álbuns – e já vamos explicar o termo – são produzidos seguindo uma lógica, seja musical ou temática, mesmo quando suas canções são independentes. Os discos que Frank Sinatra lançou ao longo dos anos 1950, em particular In the Wee Small Hours (1955), são considerados “álbuns conceituais”, suas canções isoladas contam histórias que seguem uma progressão lírica.

A escolha da faixa de abertura, por exemplo, é crucial para causar impacto sobre o ouvinte. Como o primeiro verso a capella de Maria Bethânia em As Ayabas, de Pássaro Proibido (1976), ou a cacofonia de Speak To Me no início do seminal The Dark Side of The Moon (1973), do Pink Floyd. A música de encerramento é igualmente importante. Um dos motivos para Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles, ser considerado um dos melhores discos de todos os tempos é fechar com A Day In The Life. O ouvinte termina esmagado e feliz, certo de que teve a experiência musical de uma vida. Em ordem aleatória, tocada antes de, sei lá, uma Lovely Rita, talvez não tenha o mesmo impacto.

Por que um álbum é um álbum?

Isso nem sempre foi a regra. Até o fim do século 19 e início do 20 (há cinco minutos em termos históricos), música era consumida ao vivo, mesmo domesticamente. Haver alguém que tocasse um instrumento era comum em quase todas as famílias. Desde a década de 1870, as empresas de Thomas Edison (1847-1931) e Alexander Graham Bell (1847-1922) produziam seus equipamentos de gravação e reprodução, o fonógrafo e o grafofone, ambos usando cilindros de cera com baixa qualidade de reprodução e que precisavam ser gravados individualmente.

O jogo virou 1888, quando Emil Berliner (1851-1929) patenteou o gramofone e os discos de goma-laca de 10 e 12 polegadas. O novo sistema tinha duas grandes vantagens. A primeira era permitir a produção dos discos em massa a partir de uma matriz de cobre. A segunda, a duração. Tocados a 78 rpm, os discos de goma-laca comportavam até quatro minutos de música, o dobro do tempo dos cilindros. Sim, aqueles discos que vemos tocando em gramofones de manivela nos filmes continham somente uma música. E tosca, em parte pelos grandes sulcos onde passavam as agulhas, em parte pela tecnologia mecânica de gravação. Só na década de 1920, com a introdução dos microfones e amplificadores eletrônicos, as gravações começaram a ter mais qualidade.

Os quatro minutos dos discos de 78 rpm eram ideais para canções populares, mas não comportavam as composições eruditas, em média com 40 minutos de duração. Para comercializar uma obra dessas, as gravadoras juntavam até dez discos, empacotados em envelopes como páginas de um álbum. Eis que o nome pegou e é usado até hoje, quando as pessoas nem sabem o que é goma-laca.

A revolução do LP

Óbvio que tocar dez discos para ouvir uma sinfonia era enfadonho. Por que não um só? Em 1931, a RCA Victor lançou nos EUA um disco de vinil com 12 polegadas, tocado a 331/3 rpm, com a Quinta Sinfonia de Beethoven dividida em seus dois lados de 15 minutos de duração cada. Apesar da alta qualidade de som (para a época) e da boa recepção crítica, o formato “não pegou”. O LP só aconteceu mesmo em 1948, quando a Columbia lançou um disco de 12 polegadas cujos sulcos eram muito menores, permitindo tocar, a 331/3 rpm, até 22 minutos de música de cada lado. Some-se a isso a gravação de matrizes em fitas magnéticas de maior fidelidade, e o salto tecnológico estava dado. Em dez anos, os 78 rpm seguiram o caminho dos dinossauros e mamutes.

Os LPs foram pensados para música erudita, mas seu potencial para a música popular foi logo percebido. Ouvir música virou uma experiência, longos 20 minutos de prazer. Além da praticidade. Numa festa, botava-se um LP para tocar e pronto – sem falar nas vitrolas que permitiam empilhar discos que caíam de um em um eram tocados sem sequência. O primeiro LP brasileiro, Carnaval (1951), tinha esse espírito: uma coletânea de marchinhas e sambas. Os formatos convieram por um tempo. Chega de Saudade, manifesto da Bossa Nova, foi lançada por João Gilberto em 1958 num compacto de 78 rpm e, no ano seguinte, como faixa título de seu LP de estreia.

Do compacto ao conceito

Ao longo dos anos 1950, nos EUA, o LP foi adotado em larga escala, mas as gravadoras ainda apostavam nos compactos de 45 rpm (com a mesma tecnologia de sulcagem dos LPs) para as músicas de maior potencial. Três clássicos de Elvis Presley de 1956 – Heartbreak Hotel, Don’t Be Cruel e Hound Dog – ficaram de fora de seu LP homônimo, o que não impediu de ser o primeiro disco da RCA a vender mais de um milhão de cópias. Mesmo nos anos 1960, essa mentalidade se mantinha. Brian Epstein (1934-1967), empresário dos Beatles, era irredutível: canção de compacto não entra em LP. Motivo, por exemplo, para Penny Lane e Strawberry Fields Forever não estarem em Sgt. Pepper’s.

Por conta disso, na música pop, da qual o rock ainda fazia parte, os LPs, embora pensados pelos produtores e artistas, ainda não tinham uma ideia ou um conceito. Não que isso fosse novidade. É consenso que o primeiro “álbum conceitual” é Dust Bowl Ballads (1940), do gênio folk Woody Guthrie (1912-1967). Anterior ao LP, foi lançado como dois álbuns de três discos de 78 rpm, perfazendo 11 canções sobre a vida dos americanos destruídos pela Grande Depressão.

O conceito no rock foi trazido inicialmente pelo grupo americano The Beach Boys (ok, pelo gênio de Brian Wilson) em 1966 com Pet Sounds. O conceito não era necessariamente um tema, mas uma mudança de patamar musical, de pensar o disco como um todo lógico, explorando recursos de estúdio e apostando na excelência instrumental e das composições. Paralelamente, os Beatles seguiram a mesma rota em Revolver, também de 1966, para muitos, inclusive este que vos escreve, mais ousado de forma geral que Sgt. Pepper’s.

Em 1969, The Who lançou Tommy, que contava a história do menino tornado cego, surdo e mudo por um trauma e de seu caminho à Iluminação. A era dos álbuns conceituais, que se tornariam marca registrada do rock progressivo, estava aberta. Era inconcebível ouvir aquelas canções fora da ordem. Havia até discos em que isso era impossível, como Thick As A Brick, do Jethro Tull, onde havia apenas uma música, dividida em partes 1 e 2 pelas limitações dos LPs.

Ah, importante. Além de uma experiência auditiva, um LP envolvia outros sentidos por meio de suas capas e encartes, que acompanhavam a sofisticação da música.

A revolução digital

E esse foi o cenário até o final dos anos 1980, quando veio a primeira mudança radical de formato desde o LP, o Compact Disc (CD). Menores, com pantagruélicos 80 minutos de capacidade em um único lado e recursos de reprodução até então impensáveis, como a programação e, sim, a ordem aleatória. Foi quando a lógica do álbum começou, ainda que timidamente, a ruir. Era possível ignorar aquela música “meio mé” de um disco em geral bom. Aparelhos multidisco permitiam colocar até cinco álbuns diferentes tocando em ordem aleatória. Dava-se uma festa sem precisar fazer nada além de apertar play uma vez.

Num CD, a música era um arquivo digital em formato .wav. Com a chegada dos gravadores de CD para computadores, cada um podia copiar seus discos excluindo o que quisesse, mudar a ordem etc. Mas faltava a portabilidade. Os disc-men, tocadores portáteis de CDs eram ainda mais trambolhos que o os antigos walk-men de fitas cassete. E os arquivos .wav eram gigantescos, num tempo em que um HD de computados era medido em Megabytes.

O tamanho dos arquivos foi resolvido pelo formato .mp3, que permitia 90% de compressão, com sacrifício da qualidade de áudio. Desde o final nos anos 1990 já havia aparelhos para tocar arquivos de MP3, mas a revolução aconteceu mesmo em 2001, quando Apple lançou o iPod, o primeiro player a se popularizar.

Com o progresso da internet, deixamos de precisar até dos arquivos no computador ou no player/celular. Ela está na nuvem, está conosco o tempo todo, nunca a consumimos tanto, mas, se me permitem dizer, a apreciamos tão pouco. É agradável ouvir uma playlist automática enquanto se faz a faxina, mas não se para mais para ouvir um álbum, compreender sua lógica, ler suas letras. A música virou um ruido de fundo, como temia Roger Taylor ao escrever Radio Ga Ga.

Num mundo movido a algoritmos, plataformas de streaming dizem que o público não quer músicas com mais de dois minutos e meio, e produtores reduzem a criação de sucessos a fórmulas matemáticas com ajuda de softwares. Será que a iniciativa de Adele vai vingar?

O software que está revolucionando a música pop

Enquanto plataformas de streaming como o Spotify estão mudando a forma como consumimos música, uma pequena empresa alemã está mudando a forma como artistas criam e executam suas composições. Fundada em Berlim, cerca de 10 anos após a queda do Muro, a Ableton é a empresa que colocou o laptop em lugar de destaque de palcos mundo a fora. Seu principal produto, o Live, transforma o computador em um verdadeiro instrumento, juntando em um mesmo software uma série de funcionalidades existentes até então apenas em caríssimos equipamentos de estúdio e simplificando a forma como um músico pode interagir com todas estas funcionalidades ao vivo em suas performances. O sucesso é tanto que investidores estão constantemente rondando a empresa, como conta a Billboard em artigo recente:

Enquanto plataformas de streaming como o Spotify estão mudando a forma como consumimos música, uma pequena empresa alemã está mudando a forma como artistas criam e executam suas composições. Fundada em Berlim, cerca de 10 anos após a queda do Muro, a Ableton colocou o laptop em lugar de destaque de palcos mundo a fora. Seu principal produto, o Live, transforma o computador em um verdadeiro instrumento, juntando em um mesmo software uma série de funcionalidades existentes até então apenas em caríssimos equipamentos de estúdio e simplificando a forma como um músico pode interagir com todas estas funcionalidades ao vivo em suas performances. O sucesso é tanto que investidores estão constantemente rondando a empresa, como conta a Billboard em artigo recente:

“Em julho de 2020, Gerhard Behles, fundador da Ableton estava em uma reunião via Zoom com um improvável grupo de potenciais investidores. Diplo, o famoso DJ e produtor, Scooter Braun, empresário de Justin Bieber e Ariana Grande, e Joshua Kushner, irmão de Jared (o marido da filha de Trump). Diplo se lembra de a certa hora um dos investidores perguntar o que Behles achava de tê-los como sócios. O que ele estava propondo significava uma bolada de grana para os fundadores da empresa. Behles respondeu secamente: ‘Não aceitamos investimentos na companhia.’ Aqueles investidores nunca tinham ouvido nada parecido, lembra Diplo: ‘Ficaram todos atordoados. Como assim? Foi um tanto anárquico e punk.’”

“Behles criou o Ableton Live junto de Robert Henke, seu parceiro desde a década de 90 no duo de música ambiente Monolake (Spotify). O objetivo era resolver um problema real para músicos como eles. Ferramentas como Pro Tools e Logic foram feitas para gravar e editar sons tocados em instrumentos tradicionais. Behles e Henke queriam compor músicas em tempo real, em seus laptops, que estavam ficando cada vez mais portáteis. A primeira versão foi lançada em 2001, rodava em Macs e PCs e permitia que usuários sem grandes conhecimentos de estúdios de gravação manipulassem ao vivo pequenos trechos de música, mixando, mudando tons, adicionando efeitos, criando batidas e até mesmo músicas inteiras do zero. O software criou um tipo completamente novo de produtor musical, que agora podia ter acesso em seu laptop a funcionalidades que até então exigiriam investimentos em equipamentos de milhares e milhares de dólares.”

“Dezessete anos atrás, Diplo começava sua carreira de produtor musical, mas sofria para juntar batidas e sons usando diferentes samplers e ferramentas como Pro Tools e Logic. ‘Não era divertido, ele conta, era como se fosse algo que eu precisava aprender em uma aula de engenharia. Eu não estava fazendo o que eu gostava, produzir música parecia realmente um trabalho. Usar o Ableton Live era intuitivo, era como modelar em argila, ou como tocar guitarra em vez de piano. Eu era bom no instrumento.’ Uma das primeiras músicas que Diplo produziu usando o software foi Paper Planes (Spotify), o hit de 2007 que lançou a carreira da cantora M.I.A e do próprio Diplo”

“Em 2000 Behles e Henke apresentaram uma versão beta do Ableton Live em um congresso da indústria de música em Los Angeles. Henke se lembra da reação das pessoas: ‘Um laptop no palco? Vocês estão loucos.’ Hoje é difícil de imaginar a música pop sem ele. A popularidade do Ableton Live só cresceu com a pandemia, com a maioria dos músicos trancados em casa, longe dos estúdios. O software está reduzindo a distância entre músicos profissionais e amadores.”

Quer entender como funciona o Ableton Live? A cantora e produtora galesa Rachel K Collier explica como usa o software para criar loops e gerenciar toda sua apresentação solo ao vivo. (Youtube).

E para quem quer se arriscar, a empresa oferece uma versão de teste gratuita por 90 dias.

E claro não podemos esquecer os mais clicados da semana:

1. Forbes: As cinco principais tendências no ambiente de trabalho para 2022.

2. Youtube: Ponto de Partida – O PT está no mundo pré-Zap.

3. CNN Brasil: Vila histórica em Roma com mural de Caravaggio vai a leilão.

4. UOL: Como aproveitar a Black Friday sem cair na fraude.

5. Panelinha: Uma receita mineira – Arroz de couve com linguiça.

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‘Mapa de apoios está desfavorável ao Irã e sua visão de futuro’, diz Abbas Milani

17/04/24 • 11:00

O professor Abbas Milani nasceu no Irã. Foi preso pelo regime do xá Reza Pahlavi. Depois, perseguido pelo regime islâmico do aiatolá Khomeini. Buscou abrigo nos Estados Unidos na década de 1980, de onde nunca deixou de lutar por uma democracia em seu país de origem. Chegou a prestar consultoria a George W. Bush e Barack Obama, numa louvável disposição de colaboração bipartidária. Seu conselho sempre foi o mesmo: o Irã deve se reencontrar com um regime democrático, secular, por sua própria conta. Sem interferências externas.

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