Edição de Sábado: No tempo da inflação

Boa parte do Brasil conheceu a ministra da Economia Zélia Cardoso de Melo quando ela apareceu ao vivo, em vários canais de TV, para uma entrevista coletiva na tarde de 16 de março, em 1990. (YouTube.) A posse do presidente Fernando Collor, o primeiro eleito pelo voto popular desde Jânio Quadros, trinta anos antes, havia sido na véspera. E a expectativa para aquela entrevista era imensa. Em 1989, último ano do governo de José Sarney, a inflação oficial calculada pelo IBGE havia chegado quase em 2000%. Dois mil por cento ao ano. O que o salário comprava no supermercado no primeiro dia do mês não rendia nem de perto o mesmo apenas duas semanas depois. A inflação daquele mês de março bateria em mais de 80% — os preços quase dobraram ao longo de um mês. Não havia outro tema que angustiasse mais a população brasileira e a esperança era de aquele governo conseguisse, enfim, controlar o monstro. Nos últimos três dias de seu governo, Sarney decretou de surpresa feriado bancário a pedido da nova equipe econômica. Não havia internet ou mesmo máquina de saque. Naqueles dias, ninguém poderia movimentar seu dinheiro. Algo ia acontecer.

Zélia era jovem, havia completado 36 anos apenas uns meses antes. Entrou no auditório do ministério acompanhada de vários homens, todos de terno escuro, todos sisudos, aqueles que ocupavam seu alto escalão. A ministra se ajeito à mesa perante o microfone, no lugar do centro. Pigarreava a toda hora, muito séria e compenetrada. Tensa. Ela vestia um blaser preto de vastas ombreiras, como se usava no tempo, tinha por baixo uma camisa branca leve. De ornamento, apenas um discreto colar dourado. Não havia maquiagem que se destacasse, o cabelo de um louro escuro, ondulado, estava cortado na altura dos ombros. “Nós entendemos que os programas de estabilização implementados nos últimos anos falharam porque não atacaram conjuntamente as diversas causas do desequilíbrio”, disse a nova ministra. “Em geral nós temos a moeda e temos títulos, no caso do Brasil temos uma terceira categoria que é a moeda indexada, que se expressa nessa massa de recursos aplicados diariamente e da qual não conseguimos distinguir o que é poupança financeira, o que é moeda para especulação e o que é moeda para transação.”

Dezenas de milhões de aparelhos de TV ligados. Fora os especialistas, ninguém estava entendendo rigorosamente nada do que ela dizia. “A partir de hoje fica criado o cruzeiro, que substitui o cruzado novo. Os cruzados novos que estejam depositados em banco quer na forma de depósitos à vista, depósito a prazo, caderneta de poupança, overnight, são convertidos em cruzeiros até o limite, no caso de caderneta de poupança e depósito à vista, de 50 mil, e no caso de overnight e de depósito a prazo, 25 mil ou 20%, o que for maior.”

Foi assim que ela anunciou o calote. E, no primeiro momento, ninguém no país entendeu o que estava acontecendo. Durante toda a campanha eleitoral, a marca de Collor havia sido uma comunicação muito clara e direta. Mas logo no primeiro anúncio importante de seu governo, sua ministra se escondia atrás de um hermetismo sem igual. Como se tentasse justamente esconder o que dizia, se defender da reação que viria.

Aqueles NCz$ 50 mil eram equivalentes a R$ 18 mil em dinheiro de hoje. O que ela estava explicando é que todo o dinheiro que as pessoas tivessem guardado seria confiscado pelo governo e só devolvido muitos meses depois. Ficariam só aqueles R$ 18 mil. Mesmo os jornalistas de economia presentes pareciam desnorteados. Suas primeiras perguntas foram sobre a correção monetária dos salários, detalhes técnicos diversos. Como se estivessem, eles próprios, incrédulos a respeito do que havia acontecido ali. Até que Silvia Faria, repórter do jornal O Globo, tomou o microfone. “Esse confisco sobre a poupança privada não vai desestimular novos investimentos, trazendo consequências desastrosas sobre o nível de emprego e agravamento de problemas sociais?” Foi direta, foi enfática. “Vocês tiveram alguma preocupação com este impacto sobre a economia? Vocês pensaram nisso?” Um dos homens de governo, sentado ao lado de Zélia, logo tentou evitar a palavra. “Não é confisco.” Claro que era. Antes mesmo de tentar responder à jornalista, sua maior preocupação era evitar a palavra ‘confisco’. À noite, no Jornal Nacional, outro repórter, Carlos Monforte, conseguiu uma exclusiva com a ministra. (YouTube.) “O dono do restaurante, hoje, tem o seu patrimônio e um punhado de cheques que recebeu esses dias. Ele tem de pagar uma porção de gente. Será que não vai fechar restaurante, não?” Dava um exemplo. Zélia vacilou um, dois segundos. “Olha, é possível que fechem alguns restaurantes”, ela respondeu.

Oficialmente, batizaram-no de Plano Brasil Novo. Mas todo mundo o chamou de Plano Collor. E ele nunca foi completamente explicado — não oficialmente. O governo jamais soltou uma nota técnica que explicasse com clareza como compreendia a economia, que dados sustentavam aquela concepção de choque, ou mesmo por que este limite de NCz$ 50 mil foi escolhido. Nem havia muito o que explicar. O valor do corte, Zélia o decidiu de forma intuitiva, no chute, numa das festas da posse. Decidiu à noite, anunciou com gravidade pela manhã. E seria irônico, não fosse chocante. Em seu último debate de TV no segundo turno, aquele que ficou famoso pela edição do Jornal Nacional, Collor havia acusado o candidato operário Luiz Inácio Lula da Silva justamente de planejar dar um calote na caderneta de poupança. “Sou contra calotes”, afirmou o político das Alagoas . “Sou contra o beiço que meu adversário quer dar na dívida interna e, incluída aí, a caderneta de poupança.” Era verdade. O plano petista envolvia o confisco da poupança. Era verdade, entre outros motivos, porque o plano de Collor era o plano petista.

Ou, com mais precisão: o plano peemedebista.

Resolver o problema da economia brasileira não era simples e os seguidos fracassos do governo Sarney deixavam isso claro. O país estava em moratória, havia suspendido os pagamentos de sua dívida externa, e não tinha dólares de reserva. Não bastasse, para o combate à inflação era preciso também enfrentar três problemas grandes e nada triviais.

O primeiro é que os Cruzados Novos, a moeda brasileira de então, não eram todos iguais. As notas no bolso de quem não tinha conta corrente em banco perdiam valor todos os dias. As depositadas em banco, não. Ali o dinheiro passava por um tipo de aplicação chamada overnight, que no cotidiano era apelidado de over. Em essência, parte do valor perdido pela inflação era compensado. Na prática, funcionava como se no Brasil houvesse duas moedas diferentes — e só a dos pobres perdia valor para a inflação num ritmo cruel. Quando Zélia, em meio a seu hermetismo, explicou que o Brasil tinha duas moedas, uma delas indexada, era disso que estava falando. Esta moeda dos bancarizados, que diariamente rendia um quê, deixava a hiperinflação tolerável mas era ela própria uma força que gerava mais inflação. Afinal, punha todo dia mais dinheiro para circular — desvalorizando a moeda. Para controlar a inflação, o over tinha de acabar. Mas, se acabasse num repente, temia-se uma fuga em massa do sistema bancário. Gente que, com medo de perder dinheiro, sacasse o que tinha para comprar imóveis, ouro, dólar, o que fosse.

O segundo problema tinha a ver com lições aprendidas. Nos planos monetários anteriores, que tentaram derrubar a inflação de forma brusca congelando repentinamente os preços e proibindo aumentos, houve uma explosão de consumo. Com a sensação de que os preços não aumentavam mais, as pessoas iam às compras pelo medo de não aproveitar o momento. O resultado, para muitos produtos, era fazer com que desaparecessem os estoques. Com muita demanda e pouca oferta, o natural é que preços subam. Haverá gente disposta a pagar. Foi uma lição dura de se aprender, porém incontornável. O fim brusco da inflação força preços para cima e, portanto, gera inflação. O Brasil estava num ciclo envenenado.

Aí chegava o terceiro desafio a resolver: era crítico o drama da dívida pública. Para se financiar, um país vende papéis que promete recomprar num prazo determinado por valor maior. A falta de confiança no Estado brasileiro era tal que só os bancos nacionais ousavam correr o risco. Claro: o Brasil havia parado de pagar as cotas de sua dívida externa. Então, para pagar pela compra destes títulos, os bancos nacionais tomavam dinheiro emprestado de seus correntistas e, em troca, remuneravam cada um, todo dia um pouco, por aqueles empréstimos. Era assim que funcionava o overnight. Era preciso acabar com o over. Ou seja, se o over fosse suspenso de uma hora para a outra, tampouco o governo teria como se financiar.

A ideia de que um grande bloqueio do dinheiro que as pessoas tinham podia atacar os três problemas com um único golpe apareceu documentada pela primeira vez em 1988, na tese de doutorado do economista Antônio Kandir, um professor da Unicamp que havia assessorado já vários governos do PMDB. Kandir tinha, como Zélia, 36 anos. Durante a campanha presidencial, trabalhou com a equipe do deputado Ulysses Guimarães, que se candidatou pelo partido do governo — o PMDB. Ulysses não chegou sequer perto do segundo turno. E, assim, Kandir se juntou à equipe do economista Aloísio Mercadante, que trabalhava para Lula. Ao se juntar, levou embaixo do braço seu plano. Aquela mesma ideia também já circulava entre outros economistas, na forma do rascunho de um artigo técnico que passava de mão em mão, assinado por Luiz Gonzaga Beluzzo e Júlio Sérgio Gomes de Almeida.

Embora atacasse Lula por seu plano, Collor não tinha qualquer alternativa. Não havia, entre seus assessores, uma teoria a respeito da inflação, uma ideia que fosse. Zélia, uma jovem economista pouco conhecida, era consultora de seu governo, em Alagoas. Mal terminou o segundo turno, sem saber bem o que fazer, ela de presto convidou Kandir a se juntar ao governo. Assim, Collor passou a ter um plano — aquele que fora de Ulysses, depois de Lula. Aquele que ele próprio havia atacado no debate.

O objetivo era simples: tirar do brasileiro a capacidade de comprar. Assim, conforme o overnight desaparecesse, não haveria fuga imediata dos bancos. As pessoas não tinham acesso ao dinheiro. Conforme os preços parassem de subir, também não haveria excesso de demanda. O impacto na inflação existiu e foi imediato. De um índice na casa dos 80% ao mês foi a menos de 10% em abril. Mas a inevitável pressão sobre o governo para liberar o que havia sido confiscado foi imensa. O Plano Collor fracassou porque tirar tanto dinheiro assim da economia é inviável. Já dias depois foi preciso soltar recursos para que o sistema bancário se mantivesse de pé. Fracassou também por ter sido cruel. Antes de o ano terminar a inflação já chegara a 20% ao mês. No ano de 1992, último de Collor na presidência, a inflação anual pelo IPC foi de 1.119%. Metade do que ele herdou, ainda assim já no nível considerado hiperinflação.

A impopularidade que veio com o confisco, seguida do fracasso retumbante do plano, foi a primeira causa do impeachment. O brasileiro estava cansado. Desde a democratização, com a posse de Sarney em março de 1985, aquele era o sexto plano de estabilização econômica. A Nova República não tinha ainda dez anos e estava a caminho de sua quarta moeda. Nasceu com o cruzeiro, foi para o cruzado, cruzado novo, voltava ao cruzeiro. O primeiro dos planos, o Plano Cruzado, logo no início de 1986, foi recebido por um país em êxtase. Teve como tronco um vasto congelamento de preços, a população foi convocada a participar ativamente da vigília para que nenhum produto, em nenhum mercado, tivesse o preço remarcado. Vestia-se com orgulho o bóton ‘Eu sou um fiscal do Sarney’.

Ocorre que o congelamento fez com que, para muitos, produzir se tornasse inviável. Num ambiente de inflação, os preços não sobem todos ao mesmo tempo — vão subindo, uns afetando os outros. Quando o valor da gasolina sobe, por exemplo, o feijão que já está nas prateleiras não tem motivo de custar mais caro. Só o feijão que chega nas semanas seguintes é que sairá por mais, para compensar o aumento do custo de combustível para os caminhoneiros. Com um congelamento repentino de tudo, se a gasolina subiu mas o vendedor de feijão está proibido de repassar aquele aumento, ela fica no prejuízo. Para de vender. Esconde o que tem. Este foi o resultado daquele primeiro plano: as prateleiras começaram a ficar vazias, criou-se um mercado paralelo. A palavra ágio entrou no vocabulário corrente — o que se paga acima do valor congelado oficial para ter acesso a algo.

Ao todo, o governo Sarney teve cinco planos econômicos em cinco anos. Collor teve três em três anos. A inflação está subindo já num ritmo preocupante. Em seus primeiros dez anos, os governos da Nova República foram consumidos pela urgência de resolver o problema da inflação. Pois ela desgasta a todos, torna o povo angustiado, castiga principalmente quem é mais pobre e não tem acesso a qualquer forma de defender seu dinheiro. O dinheiro de quem só tem dinheiro na mão é justamente o que mais perde valor.

O governo de Itamar Franco só teve um plano econômico. O Plano Real, fruto da inventividade dos economistas Pérsio Arida e André Lara Resende. Pérsio é, justamente, o entrevistado desta edição de Sábado do Meio.

De quem é essa inflação aqui?

É verdade que os preços dos alimentos subiram no mundo todo e impulsionaram a “inflação global”, que tem sido chamada de “fenômeno” pelos economistas, mas isso não explica por si só o que vivemos hoje no Brasil. Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que países do G20 têm inflação média esperada de 3,7% para este ano, enquanto a previsão para o Brasil é o dobro: 7,8%. Entre as vinte maiores economias do mundo só estamos em melhor situação que a Turquia (17,8%) e que a vizinha Argentina, onde a previsão de inflação em 42% denota completa falta de controle da economia.

O Brasil tem peculiaridades quando se analisa essa conta. Uma delas foi a má gestão do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia de covid-19, que provocou, até o momento, 615 mil mortes. Negacionismo desde o primeiro instante, demora na compra de vacinas, aposta em tratamentos comprovadamente ineficazes, suspeitas de corrupção — há de tudo no pacote. A política do Ministério da Economia trouxe de volta imagens que pareciam perdidas no passado, como pessoas formando a “fila do osso” ou buscando no lixo algo para comer. O Brasil havia voltado ao mapa da fome em 2018. Agora parece termos passado a outro patamar. Um pior.

Os levantamentos do IBGE mostram a escalada dos preços. Produtos do cotidiano começam a virar luxo nas despensas e mesas. A insegurança alimentar ganhou espaço ao tirar a certeza de que pessoas poderiam fazer três refeições por dia. O brasileiro vê seu poder de compra sendo diminuído a cada dia, o desemprego segue em alta, num caminho inverso ao da renda média do trabalhador e mesmo assim os preços continuam galopando.

A saída do governo? Um programa emergencial, o Auxílio Brasil, que implica a quebra do teto de gastos e a ameaça ao equilíbrio fiscal do país. Sem tocar, claro, no orçamento secreto, moeda de troca para sustentação política no Congresso.

Para entender esse pandemônio em plena pandemia, o Meio foi ouvir quem entende muito do assunto, o economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, o primeiro plano econômico da Nova República a de fato domar a inflação e trazê-la a até então inéditos níveis civilizados.

Com base na natureza dos produtos com maior índice de inflação, o que podemos dizer a respeito do fenômeno que estamos vivendo? É o “novo normal pós pandemia”?

Há um choque de oferta, causado pelas disrupções nas cadeias produtivas decorrentes da covid-19. Há similaridades com os choques de oferta que ocorreram após a Segunda Guerra Mundial, quando da reconversão da indústria de guerra para a indústria de tempos de paz. Mas há claramente também um choque de demanda. Nos Estados Unidos, a contração fiscal prevista para o ano e o final do programa de compras de ativos financeiros pelo Banco Central devem ajudar a conter o processo inflacionário. No Brasil, as incertezas do processo eleitoral certamente não ajudam, mas a política contracionista do Banco Central deve estabilizar as expectativas. Nada disso configura um “novo normal”. O pós-guerra é ilustrativo: taxas de juros reais negativas, períodos de inflação elevada, mas ao final tudo se estabilizou.

Existe um “Custo Bolsonaro” na inflação? Como explicar à população que o país prefira exportar soja enquanto o óleo tem alta de 75% nas gôndolas do mercado, segundo o IBGE?

Não é o governo quem prefere exportar soja a vender para o mercado interno, até porque tanto quem produz quanto quem comercializa a soja é o setor privado. E a ideia de preço ‘justo’ é equivocada: preços podem ser abusivos quando há poder de monopólio, e normais ou competitivos quando os mercados funcionam bem, mas não justos ou injustos. A equivalência de preços domésticos aos internacionais, quando se trata de bens comercializáveis internacionalmente, como óleo de soja ou petróleo, faz parte do bom funcionamento da economia. Quando a política econômica impede essa equivalência, criam-se distorções e a oportunidade de arbitragem que não deveriam existir. O que se pode dizer sobre ‘custo Bolsonaro’ é que as más políticas do governo Bolsonaro afastaram o investimento estrangeiro e, nessa medida, contribuíram para um câmbio mais desvalorizado que, por sua vez, se traduziu em um preço majorado dos bens comercializáveis.

Para viabilizar o Auxílio Brasil, furar o teto de gastos é uma ideia tão boa quanto o governo alega? Quais alternativas o governo tem para resolver a inflação?

O teto de gastos foi feito para frear a expansão das despesas primárias do governo, que vinha em ritmo muito maior ao crescimento do PIB. Sua sustentação ao longo do tempo dependia, como depende, de uma revisão de gastos obrigatórios para abrir espaço para despesas que refletissem as necessidades do momento em que vivemos. Ocorre que o governo nada fez para abrir esse espaço e, diante da necessidade de auxílio emergencial, se viu na contingência de furar o teto. Se tivesse havido planejamento e determinação para cortar despesas, não precisaríamos furar o teto. A inépcia do governo federal foi também agravada pela aliança com o Centrão e a absurda criação do orçamento secreto. Dificilmente algum centavo do orçamento secreto vai para os pobres.

Bolsonaro no PL, tudo em família

A verdade deve ser dita, o presidente Jair Bolsonaro foi honesto na última terça-feira. Cercado por velhos companheiros congressistas, o presidente empunhou o microfone e evocou uma oração pelas famílias dos presentes antes de assinar a ficha de filiação ao Partido Liberal (PL). “Estou me sentindo acolhido, em casa, dentro do Congresso Nacional. Vocês me trazem lembranças agradáveis”, iniciou o discurso dirigindo-se a figuras como o presidente nacional da legenda, Valdemar Costa Neto, condenado em 2012 a sete anos e dez meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva no mensalão do PT.

Na cerimônia em Brasília, entre os políticos mais conhecidos estavam o senador Fernando Collor (PROS-AL), também réu por corrupção e lavagem de dinheiro, e próceres do Centrão, bem representados pelos ministros Ciro Nogueira (PP-PI) e Flávia Arruda (PL-DF) e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “Eu vim do meio de vocês. Ninguém faz nada sozinho. Vocês todos fazem parte da nossa família”, continuou o presidente.

No palco, a voz dos congressistas foi personificada pelo senador Jorginho Mello (PL-SC), o primeiro a abrir os discursos da noite. “Senhor presidente, o Partido Liberal nasceu em 1985 no Rio de Janeiro, no momento que homens e mulheres sonhavam com um Brasil com estruturas políticas voltadas para o serviço da pátria e a formação de uma sociedade mais justa e cristã, sob o bem mais justo que é a liberdade. Hoje sonhamos com as mesmas coisas: Deus, pátria e família”, afirmou, ecoando o mantra de Bolsonaro em 2018. “Presidente Bolsonaro, o PL nunca esteve tão atual e tão pronto como hoje para te receber”, completou. A verdade deve ser dita, Jorginho Mello tem razão.

Seguindo as homenagens, as palavras ditas pelo líder nacional da sigla não foram menos sinceras. “Sabíamos que faltava um nome que representasse nosso projeto para o Brasil. E, nesse momento, o PL recebe a grande figura política do nosso país”, disse, certeiro, Costa Neto. Historicamente o PL sempre contou com o rosto alheio. Em 1998, a sigla invocou um “Brasil Real e Justo”, integrando a coligação do então candidato à Presidência Ciro Gomes, que concorreu pelo PPS. Ergueu a estrela do Partido dos Trabalhadores em 2022, emplacando o empresário José Alencar como vice-presidente na chapa eleita de Lula (PT). Nem o escândalo do mensalão abalou a aliança, com o partido mantendo as vestes vermelhas em 2010 e 2014 com Dilma Rousseff (PT). Em passagem relâmpago, compôs a base do governo de Michel Temer (MDB). Em 2018, aderiu ao tucanato participando da coligação de Geraldo Alckmin (PSDB). Desta vez, às vésperas das eleições de 2022, o PL aprendeu a fazer arminhas com as mãos e encontrou o nome que representa seu projeto de país – mais uma vez.

Por seu lado, assinando sua nona ficha de filiação, Bolsonaro não poderia estar mais feliz com o (re)encontro. O líder do Executivo volta às origens como legítimo membro do Centrão, posição que ocupou por quase trinta anos de mandato enquanto deputado de baixo clero. Tem mais, além da filiação ao PL, caso Bolsonaro consiga uma coligação com o PP, que pode indicar o vice, e com o Republicanos (da Igreja Universal), terá à disposição mais de R$ 370 milhões do fundo eleitoral para a campanha à reeleição. A quantia é 30 vezes maior do que a disponível em 2018 nos então nanicos PSL e PRTB.

Como reiterou Jorginho Mello, ainda se sonha com Deus, família e pátria. Para que, com a ajuda de Deus, a pátria faça vista grossa à adesão do PL a qualquer governo, à falta de adesão de Bolsonaro aos partidos por onde passa e ao apetite de todos por verbas, pelo bem da família Centrão. Sem esta, lembrou o próprio Bolsonaro, o que lhe restaria? Entrar para o PSOL?

A solidão da África na pandemia

O mundo começou a repensar as medidas restritivas contra a covid-19 nesta semana, após a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificar a variante ômicron como “preocupante”, quando é mais transmissível e há um maior risco de morte. Países europeus e das Américas passaram a restringir a chegada de pessoas que pisaram recentemente em países africanos, onde foi registrada a transmissão comunitária pela nova cepa do coronavírus.

É o caso da África do Sul, que já tem a ômicron como a variação dominante. A preocupação é agravada pela quarta onda da doença na Europa, que fez com que o uso de máscara, álcool em gel e distanciamento social voltassem a ser fortemente recomendado pelas autoridades sanitárias. Países como Alemanha e Áustria passaram a restringir duramente a circulação de pessoas não imunizadas. Por aqui, prefeitos e governadores começam a cancelar eventos massivos, como o carnaval e festas de Réveillon.

Mas não é de se espantar que uma nova variante possa ter surgido na África do Sul. O continente africano é o que menos vacinou as populações de seus 54 países. O próprio presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, chegou a pedir em junho deste ano que os países mais ricos deixassem de monopolizar as vacinas.

Enquanto nações estocam vacinas por comprarem em excesso e tentam convencer negacionista a se imunizarem oferecendo sorteios de prêmios em dinheiro, dias de folga no trabalho, cerveja, hambúrgueres e até maconha grátis, o continente africano imunizou apenas 7% de sua população, com países em que continuam à espera de um milagre. São os casos da República Democrática do Congo, com uma taxa de vacinação de 0,06% e do Burundi, que só aplicou a vacina da Covid em 0,0025% de seu povo (não, nós não erramos na quantidade de zeros depois da vírgula).

Especialistas do mundo todo têm repetido que, quanto mais tempo demorar para vacinar toda a população global, maiores as chances de novas variantes mais perigosas surgirem e se espalharem. E não só a saúde global é afetada, mas toda a cadeia econômica. Por diversas vezes acompanhamos a queda das bolsas de valores sob o medo de novas variantes ou ondas de infecção.

A queda no setor produtivo ocasionado pelo distanciamento social e confinamento em massa, necessários para a contenção de novas infecções, impactou a cadeia produtiva, ajudou a gerar escassez e prejudicou a economia de países por todo o globo. As entidades internacionais da economia começaram a entender que a recuperação passa por vacinação em massa. Em outubro passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) pediram que os governos dos países mais ricos acelerassem as doações de vacinas aos países mais pobres.

Covax Facility

Para garantir que todos os países tivessem acesso a vacinas para o combate ao coronavírus, os governos se juntaram às organizações filantrópicas e à OMS para a formação de um consórcio internacional para o desenvolvimento e fabricação de imunizantes, além de garantir o acesso justo e igualitário das doses entre as nações. Nasceu a Covax Facility, uma forma de cooperação mútua, que garantiu o financiamento do processo de pesquisa e inovação para a criação das vacinas.

Apesar de ser a única opção de muitos países pobres para garantir o recebimento de imunizantes, a Covax Facility só conseguiu entregar 25% dos dois bilhões de doses previstas para este ano, tendo ainda de reduzir a expectativa de entrega para 1,42 bilhão de doses.

Segundo o Coordenador no Brasil da Campanha de Acesso a Medicamentos de Médicos Sem Fronteiras, Felipe Carvalho, a maior falha da Covax “foi não exigir nenhuma contrapartida” das empresas produtoras. “Como é que esse mecanismo não impõe nenhuma condição de preço, de acesso, uma vez que [a Covax] investiu na criação dessas vacinas, mas é como se fosse um cheque em branco, sem nenhuma contrapartida?”, questiona. “Do ponto de vista de ser um mecanismo de negociação e de estratégia para garantir o acesso, ele não foi bem utilizado”.

União Africana

A falta de insumos não afeta apenas a população comum, mas também os profissionais de saúde desses países africanos, que são os que mais morrem por covid, estando na linha de frente da pandemia e frequentemente sem ter recebido a imunização. “Em muitos países nós estávamos vendo um colapso dos sistemas de saúde”, conta Felipe Carvalho. “Já havia sistemas frágeis, e ficaram mais frágeis ainda com a perda de profissionais que se infectaram e que são vítimas dessa desigualdade.”

Sem as vacinas prometidas pela Covax, os países precisaram se juntar em iniciativas que pudessem trazer imunizantes para seus povos. Surge a União Africana, um bloco de países que traçou uma estratégia de negociação conjunta entre os governos locais e empresas produtoras de vacinas para agilizar a aquisição das doses.

Quebra de patentes

Uma alternativa para facilitar e agilizar a produção e distribuição de vacinas entre os países mais pobres, segundo Felipe Carvalho seria exigir das empresas o compartilhamento da tecnologia. “Já que são investimentos públicos, que não se tornassem um conhecimento controlado a sete chaves por patentes e direitos de propriedade intelectual, mas que fosse um conhecimento aberto.”

Além disso, não haveria prejuízos para essas empresas produtoras dos imunizantes, que além de receberem incentivos financeiros durante o processo de pesquisas, obtiveram grandes lucros com a venda de imunizantes, como o caso da Pfizer, que registrou um crescimento na receita de 134% em um ano.

A conjuntura da saúde global mostra que a distribuição de vacinas para todas as nações é essencial para manter todas as pessoas em segurança. Felipe Carvalho ressalta que a variante ômicron “é um lembrete de que, quanto mais a gente demorar para vacinar todo mundo, mais chances teremos de surgir uma nova ameaça”.

E os mais clicados mostram que economia foi mesmo o tema da semana.

1. Google: Os melhores apps de Android em 2021 segundo o Google.

2. BBC: Millenials em cargos de chefia enfrentam estresse e burnout.

3. Folha: Brasil está condenado a crescer, a pergunta é se com mais ou menos de inflação, diz Guedes.

4. g1: Entenda o que é uma recessão técnica.

5. O Globo: Miriam Leitão – Recessão técnica pode obrigar Banco Central a repensar juros.

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24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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