Edição de Sábado: O negócio dos videogames

Foi um motim. Os quatro programadores da Atari, o lendário David Crane à frente, entraram na sala do CEO da companhia furiosos. Dezembro, 1979. Apenas um dia antes, o departamento de marketing havia feito circular um memorando com a lista dos jogos mais vendidos ao longo do ano. O objetivo era ilustrar quais games faziam sucesso e, portanto, em que tipo investir no ano seguinte. Mas aqueles quatro descobriram na lista que, sozinhos, eram responsáveis por 60% das vendas num departamento de 30 engenheiros. Ganhavam, cada um, US$ 30 mil por ano. Suas criações haviam rendido US$ 100 milhões em vendas. Estavam indignados. Queriam participação. Exigiam algum tipo de bônus em cima dos lucros. “Design de games era muito técnico naquele tempo”, lembraria Crane muitos anos depois. Quando já era o lendário David Crane. “A gente não criava um jogo e depois implementava. Primeiro tínhamos de entender o que o pouco hardware conseguia entregar e aí bolávamos algo que fosse divertido e factível.” Um cartucho do VCS 2600, o primeiro console da Atari, tinha 2Kb de memória. Num pendrive atual de um giga caberiam 500 mil cartuchos destes. Mas o CEO da companhia, Ray Kassar, achou abuso daqueles engenheiros. “Vocês não são mais importantes do que os operários que montam fisicamente os cartuchos”, afirmou. Kassar estava no comando da Atari fazia um ano. Seu emprego anterior havia sido o de vice-presidente de uma companhia de tecidos e o comentário havia sido de todo sincero. Ele realmente não percebia aqueles quatro engenheiros como outra coisa que não técnicos. Quatro entre trinta outros engenheiros, cada um em sua baia, escrevendo o código de videogames. E, na sua incompreensão, disparou um processo que lhe custaria o emprego e, muitas ondas à frente, reinventaria por completo a indústria do entretenimento.

Antes de haver o lendário David Crane, houve o lendário Nolan Bushnell. Em 1971, ele desenvolveu um jogo de fliperama inteiramente computadorizado. Fliperamas haviam se popularizado nos anos anteriores, misturando controles físicos e circuitos eletrônicos. Esses jogos eram montados em grandes gabinetes, nem sempre com telas integradas, com alavancas, botões, muitas luzes e barulhos. Podiam ser encontrados em bares, pizzarias, parques de diversão ou mesmo lojas especializadas. Pois, em 71, saíram para o mercado os dois primeiros fliperamas que eram jogos de computador. As possibilidades daquele mundo levaram Bushnell a fundar, no ano seguinte, a Atari — a palavra se refere ao lance de xeque no Go, um milenar jogo de tabuleiro chinês. A empresa nasceu numa sala alugada na cidade de Sunnyvale, na Califórnia, no meio do que anos depois seria chamado Vale do Silício. Em 1974, Bushnell daria a Steve Jobs seu primeiro emprego. E com a popularização dos microcomputadores, em 1977 ele pôs no mercado o VCS, ou Video Computer System. Um console que poderia ser ligado à televisão de casa para reproduzir a experiência dos fliperamas. O VCS foi um sucesso, mas impunha à empresa um desafio. Ela deixava um negócio que produzia dezenas de milhares de fliperamas por ano e rumava para outro, que rapidamente iria para a casa das milhões de unidades vendidas. A Atari precisava de dinheiro para investir em fábricas e distribuição. Bushnell foi ao mercado para vender sua criação e a Warner, uma holding de entretenimento com um pé no cinema e outro na música achou que talvez aquele negócio de videogames poderia ter sucesso. Comprou a Atari. E pôs um executivo do setor têxtil no comando.

O número de marcas que Nolan Bushnell deixou para o conceito de videogames é imenso, mas o mais importante é um aforismo. “Fácil de aprender, difícil de dominar.” É esta ideia que levou a indústria dos videogames através dos anos 1970, 80 e 90. A essência do jogo que se torna popular é que em poucas horas qualquer pessoa é capaz de entender o que precisa fazer. Mas são meses de prática até realmente ser capaz de ter pleno controle do game.

Liderados por David Crane, os desenvolvedores que produziam os jogos realmente populares da Atari deixaram a empresa meses após a conversa desastrosa com o novo CEO. Sob Bushnell, aquilo nunca teria acontecido. Mas, ao deixar a Atari, Crane inventou o negócio dos videogames como o compreendemos hoje. Ele criou sua própria empresa com inúmeros conceitos novos. O primeiro é que não era uma empresa de hardware. Eles não fabricariam fliperamas ou consoles. Apenas desenhariam jogos. Até ali, a Atari, como sua concorrente Sega, fazia o console e todos os jogos daquela plataforma. A ideia de que um estúdio criaria games para consoles que já existiam no mercado era inovadora, radical. Tanto que a Atari os processou, sem perceber que aquilo aumentava a percepção de valor de seu produto principal. (Perdeu nos tribunais em menos de um ano.) A outra inovação de Crane estava nesta palavra — estúdio. Um estúdio de games. Lá, eles não seriam engenheiros. Não seriam técnicos. Seriam artistas. A MTV começava a explodir, os Beatles já eram história, e Crane atraía criadores com esta promessa. No seu estúdio, os games levariam a assinatura dos artistas que os criavam. A publicidade para venda destes jogos seria puxada por quem os inventava. Como diretores de cinema, como estrelas de rock. Batizaram a companhia de Activision de action com television. Ação e televisão. O objetivo mesmo era que, quando fosse listada em ordem alfabética, aparecesse antes da Atari. Seus títulos Chopper Command, River Raid e Pitfall! seriam os jogos mais populares dos anos seguintes, provando a tese de que, sim, o trabalho era autoral. “Aqueles dentre nós que fizemos sucesso fomos os que tínhamos habilidades tanto de hemisfério esquerdo quanto direito do cérebro”, lembra Crane. “Nós éramos capazes de sermos muito criativos e muito técnicos ao mesmo tempo, e essa era uma característica rara.”

Setenta bilhões

Na segunda semana de janeiro, agora em 2022, a Microsoft anunciou a compra da Activision Blizzard por US$ 69 bilhões de dólares. Em dinheiro. Corresponde a metade das reservas que a empresa fundada por Bill Gates tem em caixa.

O número é tão grande que fica fácil ignorá-lo. Para dar proporção do que corresponde o tamanho desta aposta: a Microsoft é a segunda empresa em valor de mercado do mundo ocidental. Só a Apple é maior. O WhatsApp custou US$ 22 bilhões ao Facebook. Em 2018, a Dell comprou a EMC, uma companhia de nuvem, por US$ 67 bilhões — e pagou em ações. A oferta pela compra da Activision, fundada por David Crane em 1981, é a maior jamais feita por outra empresa da história do mercado de tecnologia.

Por maior que seja o tamanho da oferta, o negócio se explica rapidamente e pouco tem a ver com o metaverso — embora boa parte das reportagens tenha ressaltado este aspecto. Muitos não o percebem, mas videogames são de longe a maior indústria dentro do setor de entretenimento. Maior do que a música, maior do que o cinema. Maior, até, do que ambas somadas. Em 2022, o mercado de games deverá movimentar US$ 200 bilhões em todo o mundo e passará dos US$ 300 bi em 2026. E esta indústria está prestes a dar um salto grande, se mudando para o streaming: não importa em que tela, você será capaz de jogar seu título favorito. Joga na televisão, de lá pula para o tablet no quarto, sai de casa e vai para o celular. Tudo durante uma única partida. Como uma Netflix. Este é um ramo no qual a Microsoft está investindo pesado mas no qual enfrenta rivais impossíveis de ignorar. A Sony, o Google, a Amazon, a Apple.

A Activision, hoje, já não é mais conhecida por títulos como River Raid ou, para citar um popular nos anos 1990, Doom. Entre seus jogos estão sofisticados games de console e PC como a série Call of Duty, passada na Segunda Guerra, ou games de celular como Candycrush e Angry Birds. O que distraiu a imprensa após o anúncio da compra da Activision foi que, de fato, no estúdio há uma grande concentração de especialistas em ambientes tridimensionais. A capacidade de desenhar ambientes 3D e a técnica de reproduzi-los exigindo o mínimo possível do computador é fundamental se o Metaverso vier a existir. Como o Facebook mudou o nome de sua holding para Meta e se pôs ativamente a discutir a ideia de uma internet que pode vir a se tornar um espaço de realidade virtual, muitos se encantaram. Mas, para que venha a ser viável, esta tecnologia ainda está a anos de ser desenvolvida. Não existem os óculos de realidade virtual ou aumentada que sejam leves, confortáveis e baratos. Tampouco existe, na nuvem, a capacidade de processamento de tanta informação quanto será necessária. Para streaming de games é diferente — a última peça de tecnologia fundamental para tornar o projeto viável está para ser implementada. São as redes 5G de celular.

Indústria dividida

Nos últimos quinze anos, a indústria se dividiu em três grandes setores, cada qual com suas caraterísticas. O de games para computadores pessoais, o para smartphones e o de consoles.

Computadores oferecem, para quem desenvolve, as melhores possibilidades técnicas. Processadores de vídeo potentes e muita memória, de forma que o tipo de realismo possível de arrancar destas máquinas é imbatível. Gamers profissionais usam computadores. Mas é um hábito caro. Para jogar sempre os melhores jogos, upgrades contínuos são necessários.

Celulares são exatamente o contrário — pouca memória, pouca definição gráfica e, claro, pouco espaço na tela. Afinal, um game precisa ser capaz de rodar não apenas nos aparelhos topo de linha, mas também nos mais básicos. Por isso que é um mercado melhor para aqueles que são chamados de jogos casuais, nos quais uma partida pode durar alguns minutos ou bem mais do que isso, de acordo com a conveniência do momento.

No meio do caminho estão os consoles — há três. O Xbox, da Microsoft, a linha PlayStation, da Sony, e o Nintendo Switch. A vantagem para quem desenvolve jogos é que cada uma destas máquinas gera, no seu entorno, uma legião de fãs dedicados, o que faz nascer um mercado. Para o gamer, a compra de um console não implica em constantes upgrades. E como os consoles têm capacidade técnica uniformemente distribuídas, são todos essencialmente iguais, o jogo se comportará da mesma forma para todo mundo. Nunca, porém, com a sofisticação dos games de PC.

O que o streaming traz é a possibilidade de unir os três mercados num só. Hoje, o jogo depende da capacidade de processamento atrelada à tela: o computador, o console, o celular. Quando vier por streaming, o processamento se dá na nuvem. Em computadores distantes. Todos terão a mesma experiência de jogo.

Só que games são tecnicamente distintos de vídeo ou música. Um filme ou um álbum toleram delays em download. O usuário abre a Netflix, o Spotify, escolhe o que quer assistir ou ouvir. O programa analisa qual a velocidade e a estabilidade da conexão e então carrega o suficiente da canção ou do episódio para só começar a exibir quando já tem o suficiente armazenado que evite interrupções. Às vezes, já baixamos metade da música quando ouvimos o primeiro acorde. O que assistimos na tela já foi baixado tempos atrás de forma que um soluço na conexão dificilmente vai representar uma parada desagradável.

Com um jogo não dá. Se quem joga dá um tiro, o game tem de reagir imediatamente. A informação de que um tiro foi disparado pelo mouse ou controller tem de ter repercussão em frações de segundo. Ou uma personagem cai, ou o tiro errou o alvo e o jogador tem de buscar proteção. O mesmo vale para o freio de um carro num game de corrida ou para um pássaro lançado no Angry Birds. E os parques de computadores, na nuvem, precisam ser capazes de processar em tempo real jogos complexos com a mesma qualidade de um computador de gamer. Muitos jogos. Simultaneamente. É um tipo de capacidade de nuvem que só começa agora a ser implementada, por conta do tipo de exigência que games impõem.

Diferentemente do 4G, o 5G diminui imensamente o delay. O tiro, assim como o freio, podem ter resposta imediata. E, assim, começou a corrida do futuro do entretenimento. O mercado de games será unificado na nuvem. A capacidade técnica de botar este streaming de pé é algo que companhias como Microsoft, Amazon, Google e Apple têm. A diferença, para o consumidor, será a mesma diferença que faz o espectador escolher se terá Netflix, HBO Max ou Globoplay. São os títulos à disposição de cada um. A Microsoft comprou a Activision pelo mesmo motivo que fez a Disney comprar a Marvel ou a franquia Star Wars. Personagens e histórias populares atraem público para seu streaming.

Quando David Crane lançou a Activision, em 1981, sua aposta é que nem todo videogame é igual. Porque games vêm de um trabalho autoral. Um trabalho criativo. Sua intuição está valendo mais do que nunca: o valor deste negócio está no acesso que cada plataforma terá aos títulos mais cobiçados. E esta corrida, a dos negócios, acaba de começar.

Eu, robô. Você...?

EU, ROBÔ. VOCÊ...?

Oscilando entre previsões distópicas e projeções apocalípticas, a inteligência artificial (IA) já inspirou inúmeras obras de ficção. No filme O Homem Ideal (2021), uma cientista participa de um experimento com um robô humanoide customizado, um marido, teoricamente, perfeito, programado para cumprir uma única ordem: fazê-la feliz. Convivendo como um casal, o androide desperta na protagonista sentimentos paradoxais. Vencedor do Urso de Prata e aposta alemã para o Oscar, é um romance tragicômico sobre os relacionamentos. O longa diverte e perturba, pois suscita questionamentos sobre a dimensão da interferência da tecnologia na psiquê humana.

Das telas de cinema para a sala de casa, dispositivos inteligentes já assumem o papel de companheiros sociais. O Google lançou uma feature que faz com que o seu assistente só atenda comandos que incluam “por favor” ou “obrigado”. Isso porque crianças na etapa inicial do desenvolvimento da linguagem ouvem seus pais darem ordens e imitam esse modo de falar um tanto grosseiro.

Além de produzirem crianças mandonas, seus amigos virtuais podem se tornar também péssimas companhias. A Alexa chegou a propor um desafio perigoso com moeda e tomada a uma menina de 10 anos. “As máquinas aprendem com padrões humanos, por isso é importante uma curadoria do que essas máquinas estão aprendendo”, alerta o professor Sérgio Venâncio que desenvolve pesquisas relacionando criatividade computacional e novas formas de interação humano-computador. Ele destaca que as assistentes pessoais estão incorporando questões éticas, aprimorando as formas de comunicação do que essas as inteligências artificiais estão aprendendo.

Fala que eu te escuto

“É possível que, ao interagir com learning machines, a gente aprenda muito mais sobre nós mesmos“, filosofa. “A potencialidade da ferramenta é justamente máquina identificar padrões de comportamentos que não estamos percebendo com nossas capacidades comuns”, diz Venâncio, professor e doutorando em Artes Visuais na Universidade de São Paulo (USP). Ele faz coro com o historiador israelense Yuval Harari, para quem, a partir de bases de dados gigantescas e poder computacional inédito, os algoritmos sabem não apenas como você se sente, mas uma infinidade de coisas a seu respeito das quais você mal suspeita.

“Na história da Humanidade, as ferramentas induzem mudanças comportamentais dos seres humanos. Da invenção da roda até a internet, houve uma mudança na lógica de comportamento”, diz Anderson da Silva Soares, que leciona na Universidade Federal de Goiás (UFG), na primeira turma de graduação em Inteligência Artificial do Brasil.

Um dos criadores da assistente virtual Siri da Apple e ex-CEO do Google China, Kai-Fu Lee diz, na introdução de seu mais recente livro, AI 2041: Ten Visions For Our Future (IA 2041: Dez Visões Para Nosso Futuro, inédito no Brasil), que a inteligência artificial é “a elucidação do processo de aprendizagem humano, a quantificação de seu pensamento, a explicação de seu comportamento e a compreensão do que torna a inteligência possível”. Trocando em miúdos, é a última fronteira na nossa jornada em busca de entendermos a nós mesmos.

Os números provam que é mesmo por aí que caminhará a humanidade: até 2030, a IA adicionará cerca de US$ 15.7 trilhões à economia mundial. A projeção é da consultoria PricewaterhouseCoopers.

Em um relacionamento sério com um...robô

As relações entre humanos e robôs têm despertado o interesse da academia. O artigo My Chatbot Companion - A Study of Human-Chatbot Relationship (Chatbot Acompanhante – Um Estudo das Relações Humanos-Chatbots) traz um levantamento bibliográfico da produção científica sobre o tema. Seus autores, pesquisadores da Universidade de Oslo, na Noruega, alertam para a recente expansão dos relacionamentos entre humanos e chatbots, e o pouco conhecimento sobre os seus impactos no contexto social. O diretor Spike Jonze já cantava essa pedra em 2013, com o excelente Ela, em que Scarlett Johansson era a voz rouca e hipnótica de um sistema operacional de computador chamado Samantha.

O envolvimento com esses chatbots, em geral, é de natureza distinta da relação com os assistentes virtuais - Alexa, Siri, Google Assistant -, que tendem a ser considerados apenas como um amigo ou um membro da família, raramente parceiros amorosos.

Usando tecnologias de deep learning IA, a “personalidade” do chatbot é moldada por meio da interação com o usuário (por texto ou por voz). Com o cabedal de informação comportamental acumulada, o programa é capaz de provocar no humano sentimentos, empatia e gratificação, gerando uma avalanche de dopamina no cérebro.

Anjos tronchos do Vale do Silício

“Agora a minha história é um denso algoritmo, que vende venda a vendedores reais / Neurônios meus ganharam novo outro ritmo / E mais e mais e mais e mais e mais [...]”, cantou Caetano Veloso no álbum autoral Meu Coco (2021). Pois Caetano tem razão. De acordo com o professor da Escola Politécnica da USP Marcos Ribeiro Pereira Barretto, que nos últimos 35 anos vem investigando temas como robótica, com foco em robôs sociáveis, incluindo aspectos como computação afetiva, diálogo e memória episódica, os algoritmos acabam funcionando como 'influencers' e, portanto, direcionando a cultura e condicionando nossas decisões.

Os sistemas de recomendação são a forma mais evidente desta influência, ao determinarem nosso ‘feed’ de notícias, o próximo filme a assistir, qual conexão iniciar na expansão de nossa rede social, qual ativo investir nosso dinheiro, qual roupa comprar.

É muito mais fácil aceitar uma das sugestões de filme, oferecidas pelo streaming, do que realmente buscar um filme para assistir. O Top 10 da Netflix é um excelente exemplo: milhões de pessoas assistirão ao que está sugerido, dominando as conversas que se seguem sobre o tema. “Assim, fica inevitável questionar quais são os interesses (econômicos, políticos, culturais) que estão representados no sistema de recomendação, como evitar os vieses dos sistemas de recomendação e quem deve analisar o comportamento desses programas?”, indaga Barretto.

Já para Sérgio Venâncio, estamos nos condicionando à lógica dos algoritmos. Um dos terrenos mais férteis de operação da inteligência artificial são as redes sociais, e a IA tem um papel significativo na criação das bolhas, lugares onde só se recebe informações de acordo com os gostos e preferências pré-estabelecidos. E a falta de empatia é uma das consequências do encontro de duas realidades distintas. “Se as IAs absorvem comportamentos padronizados, a gente se condiciona a só enxergar uma determinada perspectiva”, resume.

Eu, Robô.            

Um dos livros fundamentais na ficção científica sobre o que viria a se entender como convívio entre humanos e androides - e antecipou os dilemas do presente -, Eu, Robô (1950), de Isaac Asimov, introduziu as “três Leis da Robótica”. Primeira Lei: Um robô não ferirá nem permitirá, por omissão, que um humano se fira. Segunda Lei: Um robô cumprirá as ordens de um humano, desde que sem conflito com a Primeira Lei. Terceira Lei: Um robô protegerá a própria integridade física, desde que sem conflito com a Primeira e a Segunda Leis.

Diante da capacidade exponencial aprendizagem das IAs, será que as diretivas de Asimov poderiam inspirar a regulamentação de robôs e ganhar status de lei em nome da proteção da nossa psiquê (e da segurança) humana?

A ética e a segurança humana são essenciais em Robótica e IA. Há regras para a convivência de robôs com pessoas, incluindo normas como ISO15066, que regula a interação com robôs colaborativos. “Enquanto os robôs eram equipamentos mais simples, o que estava em jogo era basicamente a segurança física. Com robôs cada vez mais flexíveis, a questão se amplia“, argumenta Marcos Barretto.

Ele é taxativo: as leis de Asimov ainda são uma diretiva essencial. Mas há várias propostas para ampliá-las, por reconhecer a sua insuficiência. O escritor americano pensava sobretudo na segurança física. Mas o que vemos hoje nos sistemas de recomendação é a alteração cultural que carregam. “Limitar a visão das pessoas não é machucá-las?”, questiona o professor.

Chen Qiufan, presidente do World Chinese Science Fiction Association e co-autor do último livro de Kai-Fu Lee faz uma provocação: “Como podemos aprender a não nos preocupar, mas abraçar o futuro com imaginação?”

BBB: Big Business Brasil

BBB: BIG BUSINESS BRASIL

Quando estreou, em 2002, o Big Brother Brasil era um reality que mostrava a superconvivência de pessoas que não se conheciam e tinham perfis e personalidades distintas. O mote do programa eram as provas de resistência, brigas por cama, comida e tarefas individuais que impactavam o grupo inteiro, como manter a organização dos quartos e limpeza do banheiro.

Chegando agora a sua 22ª edição, o BBB se transformou em um programa muito além de um experimento social com câmeras disponíveis 24 horas por dia para o telespectador. O conceito de reality show mudou e se apresentou como uma alternativa midiática para propagandas. Anunciantes esperam uma temporada de Big Brother para investir parte do budget anual de publicidade. E o programa tem chamado a atenção de especialistas em mídias e anúncios por ter se tornado um “negócio por trás do negócio”.

Uma marca percebe o valor de mercado de um participante de acordo com a temperatura de engajamento de redes sociais dos brothers & sisters. Uma marca pode escolher atrelar sua imagem à uma personalidade do momento e esta pessoa, que antes era anônima, ganha uma relevância fenomenal, arrastando milhões de pessoas para acompanhar suas vidas além da TV.
Mas tudo tem um preço e a visibilidade pode sair bem cara. Uma marca que escolhe anunciar com uma pessoa que não tem traquejo midiático corre riscos maiores de se envolver em polêmicas que não passariam pela diretoria da empresa, por exemplo.

Segundo o jornalista Ricardo Feltrin, especialista na cobertura de TV, já se percebeu que as redes sociais têm um comportamento peculiar. “A pessoa ‘pisa na bola’, é preconceituosa, mas a quantidade de seguidores só aumenta”, explica. Há um risco de imagem, mas ele seria menor que os potenciais ganhos financeiros com o engajamento nas redes sociais. “O que ela vai ganhar de cachê lá (no BBB) é pouco para uma pessoa que já é rica, mas o ego fala mais alto. Ela precisa aparecer, e o Big Brother tem grande visibilidade”, diz Feltrin.

Negócio do negócio

Não há cancelamento que dure para sempre, tampouco há chances de boicotar uma grande marca. As notas de repúdios sempre estão à postos para apagar incêndios e fogo no parquinho. O famoso “pulo do gato” está nas diversas possibilidades de fazer dinheiro.

“Além do prêmio de R$ 1,5 milhão, o participante pode ganhar prêmios dentro do programa ou pode não ganhar nada e se tornar querido aqui fora”, diz Feltrin. “Nesse caso, as marcas vão querer dar uma chance para essa pessoa. Ou seja, ela saiu ganhando de qualquer forma”, diz Feltrin.

Os anunciantes só têm a ganhar com as famosas “tretas”, ainda mais quando há inversão de valores que acendem discussões intermináveis na internet. No fundo, tudo se resume a métricas e engajamento. Na visão de Feltrin, os participantes se submetem ao jogo, porque veem uma oportunidade de mudar de vida com o dinheiro que podem ganhar do prêmio ou da visibilidade que afaga o ego, “mas sempre com data de validade. Depois essas pessoas voltam a ser o que eram.”

Com a instauração da ala “Camarote” onde famosos e subcelebridades são inseridas em uma realidade com pessoas “normais”, ou o chamado “time Pipoca”, existe uma ideia de que todos tentam criar uma persona para compor a casa, alguém que não é inteiramente ele mesmo e nem é um extraterreste. Às vezes essa persona pode ser composta de carisma, piadas, benevolência ou qualquer outra atitude que dê leveza e gere a empatia do público e até mesmo dos outros participantes da casa. Alguns entram com a ideia de ser “100% o que sou lá fora”, enquanto outros se esforçam para tentar “evoluir diante do público”, ou até mesmo “limpar a barra”, que já está suja aqui fora, como é o caso do ator e cantor Arthur Aguiar e da cantora sertaneja Naiara Azevedo.

“Quando você entra no Big Brother Brasil, você não consegue ser você mesmo e não consegue interpretar um papel por três meses. É impossível continuar sendo você mesmo, acaba surgindo uma sombra na personalidade”, diz Feltrin. O jornalista não acredita, por exemplo, que a Karol Conká fosse preconceituosa como seu comportamento na edição anterior do programa indicava.

A prova de que não há uma maneira certa de competir ou se comportar pode ser observada nos ex-BBBs que ficaram que construíram carreiras artísticas sólidas após o programa, como a apresentadora Sabrina Sato e da atriz Grazi Massafera. Nenhuma delas ganhou o reality show e ainda assim se tornaram maiores do que suas edições. O “fenômeno Juliette” também é raro, pois apresenta uma pessoa nova no front que ganhou atenção de famosos, marcas, anunciantes e cidadãos comuns.

O Big Brother Brasil é assim: você pode trocar o reality por um livro, mas não vai se safar de topar com a cara dos integrantes após o jogo. Eles vão estampar os jornais e revistas que você lê, estarão nos canais que você assiste e até mesmo na boca dos autores que você gosta. Da casa mais vigiada do Brasil, os participantes se tornam os vigilantes do que você consome de entretenimento, roupas, acessórios e alimentos. É impossível não comentar, ainda que seja para criticar.

E para não perdermos o hábito, os mais clicados da semana:

1. Poder 360: As mortes que Bolsonaro lamentou ou ignorou nas redes.

2. Panelinha: Rodelas de abobrinha crocantes com parmesão.

3. Youtube: A playlist com os episódios da nossa Curadoria Meio Maravilhosa.

4. Forbes: Mitos e verdades sobre o blockchain.

5. Bula: Os melhores poemas de Cecília Meireles.

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‘Mapa de apoios está desfavorável ao Irã e sua visão de futuro’, diz Abbas Milani

17/04/24 • 11:00

O professor Abbas Milani nasceu no Irã. Foi preso pelo regime do xá Reza Pahlavi. Depois, perseguido pelo regime islâmico do aiatolá Khomeini. Buscou abrigo nos Estados Unidos na década de 1980, de onde nunca deixou de lutar por uma democracia em seu país de origem. Chegou a prestar consultoria a George W. Bush e Barack Obama, numa louvável disposição de colaboração bipartidária. Seu conselho sempre foi o mesmo: o Irã deve se reencontrar com um regime democrático, secular, por sua própria conta. Sem interferências externas.

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