Edição de Sábado: Se liga, 16

A sexta-feira, 16 de outubro em 1987, foi um dia de gritaria no Congresso Nacional. As galerias da Câmara dos Deputados estavam cheias e, sentado à cadeira da presidência na Mesa Diretora, o senador peemedebista Fernando Henrique Cardoso assistia em silêncio à intensa troca de argumentos entre os parlamentares. Naquele dia, ele comandava o processo de voto da Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte. Era a comissão mais importante, composta por 86 parlamentares, e recebia todos os projetos aprovados pelas comissões temáticas para definir quais ficariam no rascunho da futura Carta. Este texto final seria depois votado pelo conjunto dos constituintes. Fernando Henrique não era o presidente titular, este cargo cabia a outro senador, o pefelista Afonso Arinos, que aos 82 anos era o decano dentre os responsáveis pela redação da Constituição de 1988. Mas Arinos não estava e FH o substituiu. No alto, jovens gritavam e estendiam faixas. No plenário, as vozes igualmente altas e um nível de irritação profundo. Em pauta estava a decisão sobre se brasileiros entre 16 e 18 anos teriam direito ao voto naquela Democracia nascente.

Até o último 21 de março, quando o Tribunal Superior Eleitoral tabulou pela última vez os números, 854.685 jovens de 15 a 18 haviam solicitado a emissão de seu primeiro título. O número corresponde a dois terços do total de inscritos na última eleição, em 2020. Entre os dias 14 e 18, após artistas puxados pela cantora pop Anitta se engajarem na campanha, cem mil buscaram os TREs ou o site do TSE. Continua sendo o mais baixo envolvimento jovem com a Democracia desde a primeira eleição em que puderam participar, a de 1989, quando enfim se elegeu um presidente pelo voto direto. O título de eleitor pode ser tirado até 4 de maio.

Nos anos de retomada democrática, o clima era outro — e o voto aos 16 foi batalhado. A própria participação política de adolescentes, a briga por ter direito a voz na Constituinte, veio de uma conquista. Quando os trabalhos abriram, meio que sem pensar, os parlamentares haviam decidido impor um limite de 18 anos para quem quisesse assistir aos debates das galerias. No final de uma tarde em setembro do ano em que a Assembleia abriu, um grupo de oitenta rapazes e moças de 15 a 18 tomaram o grande salão na entrada do Congresso com um bolo de 40 quilos e muito refrigerante, uma discreta ironia por estarem sendo tratados como crianças. Distribuíram fatias a quem quisesse, mas tinham também nas mãos um documento com reivindicações assinado por mais de 50 mil deles. Queriam incluir na Constituição a ideia de que o serviço militar deixasse de ser obrigatório, a descriminalização do uso de drogas, a proibição de trabalho para menores de 14 anos e o direito ao voto a partir dos 16. Das quatro, conseguiriam as duas últimas. Conseguiram, também, o direito de assistir aos parlamentares trabalhando.

Àquela altura, a ideia de votar a partir dos 16 anos já havia sido apresentada por um deputado gaúcho, o peemedebista Hermes Zaneti, que terminaria um ano depois entre os fundadores do PSDB. Zaneti tinha 44 anos, era advogado e havia dirigido, no início da década, a Organização Mundial de Professores. Desde cedo ele havia concluído que trazer jovens para a política ajudaria a derrubar a Ditadura Militar. Em 1985, já havia tentado aprovar uma emenda constitucional ampliando a idade mínima. Na Assembleia Constituinte, voltou a insistir.

Mas a resistência era grande e começava pelo Palácio do Planalto. O presidente José Sarney era contra, e falava abertamente a respeito do assunto. “Não podemos entregar a política para crianças.” O ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, não só era contra como se irritava com o assunto — em uma entrevista coletiva chegou a afirmar que Zaneti estava tentando organizar uma ‘revolução dos pirulitos’. E, naquele tempo, a voz de generais como Leônidas ainda causava tremores em Brasília. A emenda de Zaneti, na verdade, sequer foi incluída na comissão temática que definiu como funcionaria o processo eleitoral da Nova República. Na primeira fase, foi derrubada.

O espírito do tempo, porém, era um de inclusão. De abertura da política para uma sociedade que desejava participar. De desejo amplo de debate. A Carta de 1988 foi a primeira a universalizar o voto a partir dos 18 anos — até ali, analfabetos não podiam votar. E este espírito fez com que, quando o tema das regras eleitorais chegou à Comissão de Sistematização, o assunto do voto aos 16 retornasse. De surpresa, alguém sacou uma emenda ao texto que viera da comissão anterior reincluindo a permissão. Uma surpresa planejada — afinal, as galerias estavam tomadas por jovens que gritavam seus slogans. O deputado Gastoni Righi, líder do PTB, subiu em fúria à tribuna. Os jovens não têm direitos civis, argumentou, não podem ser responsabilizados criminalmente, afirmou, como poderiam ter direito ao voto? José Lourenço, líder do PFL, gritava ao microfone contra o relator da Comissão, Bernardo Cabral. “O comportamento e a personalidade do relator têm que ser reavaliados”, disse com o texto do substitutivo em mãos. Como não se continha, Fernando Henrique lhe cortou o microfone. Lourenço se dirigiu então à mesa, pegou o papel com o texto que ia ser votado, e o rasgou na frente de todos.

Foi inútil. Por 58 votos a favor, 22 contra e duas abstenções, o texto que seria levado ao plenário passou a incluir o voto facultativo aos 16.

O debate não se encerrou ali, durou ainda muitos meses até que a votação final do artigo ocorresse, em 2 de março de 1988. Zaneti havia se preparado para fazer um discurso de 15 minutos defendendo seu projeto quando lhe sussurraram um pedido. O decano Afonso Arinos gostaria, se possível, de compartilhar a defesa. Se ele se incomodaria de dividir o tempo. Surpreso, fez que sim e falou por sete minutos. Então, no seu passo lento, o mais velho dos constituintes e à época um dos mais respeitados intelectuais da política brasileira se pôs ao microfone. “A televisão coloca a juventude em contato não apenas com a festa da vida, mas também com o drama da vida”, disse Arinos. O velho senador lembrou que, até a Carta liberal de 1934, só se podia votar a partir dos 21 anos — havia sido ela que estendeu aos maiores de 18 este direito. “Os 16 são os novos 18”, continuou. E aí olhou para o pedessista Cunha Bueno, um monarquista da direita dura que estava entre os principais oponentes da ideia. “Tenho à minha frente um conservador, um monarquista, que esquece que a tradição no Brasil é de 14 anos para o Imperador, não de 16.” Ele lembrava da grave crise do período monárquico que foi resolvida antecipando a maioridade legal de dom Pedro II. O senador então ergueu os braços para a galeria. “Vamos aprovar o voto aos 16 anos”, disse com entusiasmo.

E aprovado foi: 355 votos contra 98 e 38 abstenções. Da galeria, os jovens que até ali gritavam “um, dois, três, voto aos 16” mudaram seu refrão. “Chegou a nossa vez, voto aos 16.”

No ano seguinte, quando ocorreu a primeira eleição presidencial desde 1960, uma das estudantes engajadas no processo de aprovar o direito se tornou garota propaganda de uma campanha do TSE para mobilizar a juventude. Era Manuela Pinho, filha do ator Otávio Augusto, que estava com 17 anos. Ela passou o ano falando em programas de auditório, dando entrevistas, cavando cada espaço que dava. Carregava consigo um slogan, Se liga, 16, que havia sido criado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, de certa forma pai de todas as ONGs que haviam nascido com a Democracia. Envolvimento da sociedade, afinal, estava no espírito do tempo. Mais de três milhões de eleitores com menos de 18 anos votaram.

Em 1990, o filme pop Um Sonho de Verão (trecho ou na íntegra) que reunia o humorista Sérgio Mallandro cercado de paquitas, as ajudantes de palco de Xuxa em seu programa infantil, tinha entre seus números musicais a canção Se liga, 16. A atriz e paquita Andréa Veiga a cantava. Jovens no poder / Velhos no poder / Todos vão poder / No futuro!, dizia a letra. Se liga, 16 / Bota pra quebrar / Está em suas mãos / O futuro!

Um estudo publicado em 2017 comparou a participação de jovens nas eleições de 1990, 2000 e 2016. Descobriu que o voto mobiliza mais os jovens do Norte e Nordeste do que os de Centro-Oeste, Sudeste e Sul. As mulheres votam mais do que os homens. E quanto menor o IDH-Educação, maior a proporção de eleitores interessados.

A conclusão surpreendente, que partiu da comparação de números oficiais do TSE, foi de um grupo de cientistas políticos da Universidade Federal do Pará. E, de certa forma, corroborava a intuição de Zaneti quando propôs a ideia de antecipar a maioridade eleitoral. “O preço da passagem de ônibus, bem como as instalações da escola, tudo depende da política”, lembrou certa vez. “Se você não vota, alguém vai decidir por você. E vai decidir o que for melhor para ele.”

Hoje com 78 anos, o velho político gaúcho ainda trabalha, mas não mais no Parlamento. É advogado em Brasília, ligado ao PSB. A falta de engajamento o preocupa. Mas segue pensando de forma muito similar. “Por que as democracias morrem? Porque não entregam o que prometem”, afirma. “Depois de eleitos os políticos não têm o compromisso com a população que os elegeu e sim com os interesses das corporações que financiaram as campanhas. Os jovens de hoje não acreditam no processo democrático para construir uma nação com justiça social. Isso é compreensível”, ele segue. “Mas o que digo é, se vocês não participam outros participam e esses projetos de destruição ganham forças.” À distância, ele está feliz com o engajamento de artistas pelas redes sociais.

E ainda lembra e repete, sempre que pode, o argumento que usava para rebater o general Leônidas Pires Gonçalves. “Um jovem de 16 anos pode se alistar para servir o Exército em caso de guerra. Se pode morrer para defender o Brasil, por que não pode votar para eleger o presidente que declara ou não uma guerra?”

‘Governo trata educação como guerra ideológica’, diz Claudia Costin

O governo federal anunciou na segunda-feira, 28, a saída de Milton Ribeiro, o quarto ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro (PL). Antes dele, Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub e Carlos Alberto Decotelli estiveram à frente do MEC – uma troca de ministro a cada 296 dias. Em entrevista ao Meio, Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, professora visitante na Faculdade de Educação de Harvard e, até recentemente, Diretora Global de Educação do Banco Mundial, analisou de que forma a dança das cadeiras na pasta impactou a educação brasileira.

Como o grande número de trocas de ministros impactou a educação brasileira? É possível afirmar que houve algum avanço nesta área desde o início do governo?

Para traçarmos essa análise, precisamos nos debruçar sobre toda a gestão de Jair Bolsonaro. Primeiro, houve uma escolha de ministros muito semelhante, todos os que passaram pelo governo têm um ponto em comum: a falta de apetite para olhar para a educação como política pública, para gerenciar a política nacional de educação. Cheguei a conversar com os ministros e, nenhum deles, pensava que seu papel era coordenar a política de educação.

O primeiro ministro a atuar no governo foi Ricardo Vélez Rodríguez, de quem inclusive é difícil falar já que só ficou no comando da pasta por cerca de três meses. De qualquer forma, Vélez não foi escolhido por seu profundo conhecimento de educação, mas por sua posição conservadora. Depois, veio Abraham Weintraub, que nada se interessou pela Educação Básica, montando apenas uma agenda de guerra ideológica contra as universidades. É preciso lembrar que 90% da pesquisa brasileira nasce nas universidades públicas, em especial as federais. No entanto, Weintraub achou que seu papel era discutir se os jovens fumavam maconha nas universidades, se todos os universitários eram marxistas… o que você pode imaginar, não ajudou em nada a educação brasileira. Carlos Decotelli, o terceiro ministro a comandar a pasta nesta gestão, só ficou cinco dias no cargo. Em seguida, chegou o pastor Milton Ribeiro que, de início, parecia ter um perfil mais sereno – o que não era a realidade. O pastor resolveu não só não se interessar pela Educação Básica, como montar processos visando seus interesses e os interesses do presidente.

Em meio a tantas trocas, ainda tivemos a pandemia de Covid-19, a maior crise recente na educação. Em boa parte dos países, inclusive em repúblicas federativas como a nossa, o governo central coordenou a resposta educacional ao coronavírus. No Brasil, 80% dos municípios não têm mais do que quatro escolas, não há estrutura, não tinha como as sedes das secretarias municipais de Educação prepararem todo um plano envolvendo o ensino remoto. Neste momento, o papel do governo federal era, justamente, coordenar esses esforços. Mas o governo fez pouquíssimo e, o pouco que fez, ocorreu devido à pressão exercida pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

Se não tivesse ocorrido tantas trocas ministeriais, conseguiríamos fazer política pública?
Não conseguiríamos. Trocas constantes são ruins, mas este foi o menor dos problemas. O problema não foi só trocar os ministros, mas que tipo de ministros foram colocados lá.

É possível comparar a atuação do MEC neste governo aos governos anteriores?

Não, é impossível. Eu acompanho o Ministério da Educação desde 1995. Já vi coisas estranhas, mas nada deste porte. No Brasil, nós sustentamos uma narrativa injusta de que a educação não tem sido uma prioridade de Estado. Dos governos Fernando Henrique até Temer, muito se avançou nesta área. Para você ter uma ideia, o Brasil foi um dos últimos países do continente americano a universalizar o acesso ao Ensino Fundamental, isso só aconteceu na primeira década do século XXI. Em 2000, no nosso país, a média de anos de escolaridade era 4,9 anos — ou seja, a criança sequer concluiu o que hoje seria o Ensino Fundamental I. Apenas recentemente conseguimos aumentar a média. Agora, a maioria esmagadora das crianças conclui o Fundamental I, mas ainda não são todas que concluem o Fundamental II. Conseguimos aumentar a média de idade a longo prazo por conta dos avanços que tivemos desde os anos 1995, 1996, quando se criou o programa ‘Todos Na Escola’ e houve toda a pressão para que se expandisse o acesso à educação. Além disso, neste período, começou-se a avaliar a qualidade do ensino a partir de provas nacionais e o INEP foi transformado numa instituição muito mais profissionalizada, tecnicamente sólida. Então, avanços importantes aconteceram porque se olhou para a educação como política pública. Tivemos muitas dificuldades, mas o fato é que tivemos este olhar.

Por exemplo, cada vez mais, as escolas de ensino médio estão caminhando para atuarem em tempo integral – e isso avançou no governo Temer. Nada disso foi trabalhado nessa gestão. O pouco que foi trabalhado, não foi por iniciativa de ministro, mas pelo corpo de servidores de carreira que ainda colocam para andar iniciativas de governos anteriores. No atual governo, é como se as políticas educacionais não importassem, o que importa apenas é a guerra ideológica. A situação só não descambou de vez porque o Consed e a União dos Dirigentes Municipais de Educação se uniram para pressionar o Conselho Nacional de Educação, que estabeleceu normativas para a atuação do governo.

O governo Bolsonaro foi eleito defendendo a implementação de pautas ideológicas na Educação. Estas avançaram?

Curiosamente, na campanha, Bolsonaro tinha assumido compromisso de montar um corpo ministerial técnico, inclusive chegou a convidar o Mozart Ramos, uma pessoa de perfil mais ao centro, que pensa tecnicamente a educação – mas as tratativas deram errado. Então, passou-se a travar a guerra ideológica. Existem duas questões que saíram do papel.

A primeira delas são as escolas cívico-militares. O governo criou uma unidade no MEC voltada a estas instituições, criando inclusive incentivo para a criação destas escolas – o que é curioso porque as escolas cívico-militares, inicialmente, geram impacto no IDEB, o índice que mede a qualidade da educação, porque você coloca uma disciplina forte e gasta muito mais, o que ajuda a garantir um aprendizado. Mas não é esse o tipo de escola que a gente precisa no século 21, quando competimos com inteligência artificial. Nós conseguimos o mesmo resultado de impacto no IDEB com escolas de tempo integral com propostas mais inovadoras e criativas porque, assim, o jovem se engaja e, ao invés de ser disciplinado, se torna protagonista de sua vida.  A segunda questão trata-se do Escola Sem Partido. Quando o presidente fala em Escola Sem Partido, atira em uma coisa e acerta em outra. De fato, existe doutrinação nas escolas – como sempre existiu. Seja doutrinação religiosa ou política. Doutrinação, que significa impor sua verdade como a única possível, sempre existiu nas escolas e deve ser combatida. Mas não se combate de forma autoritária, filmando professores ou colocando vereadores para vigiar as instituições. Se combate com o trabalho, criando uma cultura de formar seres pensantes, críticos.

Dedicando-se às pautas ideológicas, o governo olha para a exceção da exceção num país que se tem emergências educacionais. A prioridade é garantir que as universidades funcionem bem e que a educação básica não só assegure acesso e conclusão do ensino aos alunos, como assegure uma aprendizagem de qualidade.

O que podemos esperar da educação brasileira daqui para frente?

Sou uma pessoa otimista, incuravelmente otimista. Algumas coisas me permitem ter um certo otimismo, como o fato de que, mesmo com o MEC capturado para coisas outras que não a coordenação da política educacional, houve uma certa mobilização da sociedade civil e dos secretários de Educação. Até dentro do Legislativo foi criada uma frente parlamentar que aprovou projetos fundamentais para o futuro da educação no Brasil, como a permanência do Fundeb. Outros projetos estão tramitando relacionados à educação, inclusive projetos que pretendem coibir desmontes como os que ocorreram.  Pautas avançaram mesmo nessas condições tão hostis que nós vivemos – e avançaram apesar do MEC. Essa força da sociedade civil me dá razão para um certo otimismo em relação ao futuro. Não ao futuro próximo, não aos meses que sobram deste governo. Mas, ao menos, para um próximo governo que possa olhar de maneira mais técnica, se debruçando sobre a educação como política de Estado, não como política de governo.

Purple Case: até que ponto vai o direito autoral?

Em 1984 Prince lançava o mais importante disco de sua carreira. Purple Rain vendeu mais de 20 milhões de cópias pelo mundo todo e deu ao artista (até então conhecido como Prince) dois Grammy Awards, além de um Oscar de Melhor Música Original e uma indicação ao Globo de Ouro, em 1985, para seu filme de mesmo nome.

No ano do lançamento do álbum, a revista americana Vanity Fair publicou um artigo intitulado Purple Fame, no qual aparece uma obra de Andy Warhol com o rosto de Prince, retirado de uma fotografia de Lynn Goldsmith, que havia licenciado a imagem em preto e branco para a revista.

Antes de morrer, em 1987, Warhol fez uma série de 15 serigrafias sobre o cantor utilizando a mesma fotografia de Goldsmith. Após a morte de Prince, em 2016, a Vanity Fair publicou uma edição especial em sua homenagem e utilizou um dos retratos de Warhol, alertando a fotógrafa de que existiam outras peças similares do artista plástico.

Os advogados de Lynn Goldsmith processaram a Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, gestora do espólio de ícone da Pop Art, para saber se o uso da fotografia foi feito sob as leis de direitos autorais. Eles disseram que “as serigrafias de Warhol compartilhavam o mesmo propósito que a fotografia protegida por direitos autorais de Goldsmith e mantinham elementos artísticos essenciais da fotografia" dela.

Nesta semana, a Suprema Corte americana decidiu julgar se o artista plástico modificou a fotografia de forma significativa em sua serigrafia.

O que diz a lei

Assim como ocorre no Brasil, a lei que envolve os direitos autorais nos Estados Unidos diz que uma obra somente pode ser utilizada por outra pessoa se tiver sido autorizada prévia e expressamente pelo detentor dos direitos autorais da criação original. Mas há exceções de uso, conhecidas como ‘limitações de direito autoral’ ou fair use (uso justo), como é chamado na lei americana.

Para se ter uma ideia, uma loja de produtos eletrônicos pode reproduzir um filme nos televisores ou telas de dispositivos móveis em exposição, sem pagar qualquer valor aos autores da obra, porque ela está fazendo uso de demonstração da mercadoria à venda.

Uma decisão da Suprema Corte americana diz que é possível fazer o uso de uma obra preexistente, desde que se “acrescente algo novo, com um propósito adicional ou caráter diferente, alterando o primeiro com nova expressão, significado ou mensagem”.

Batalha judicial

Em 2019, o juiz John G. Koeltl, do tribunal distrital de Manhattan, decidiu que Andy Warhol havia transformado o cantor da fotografia de Goldsmith “de uma pessoa vulnerável e desconfortável a uma figura icônica e grandiosa”, além de as obras da mesma série do artista plástico serem reconhecidas como um ‘Warhol’ e não uma fotografia de Prince, da mesma maneira que são vistas outras de suas obras, como suas serigrafias de Marilyn Monroe.

Mas o tribunal de Segunda Instância reverteu, por unanimidade, a favor de Lynn Goldsmith. Um dos três juízes disse que o magistrado “não deve assumir o papel de crítico de arte e procurar determinar a intenção por trás ou o significado das obras em questão” porque não são aptos a fazer julgamentos estéticos e “porque essas percepções são inerentemente subjetivas”. Para o juiz, a série de Warhol sobre Prince “retém os elementos essenciais da fotografia de Goldsmith sem adicionar ou alterar significativamente esses elementos”.

“O que está em jogo é uma limitação específica envolvendo a transformação numa obra de artes plásticas”, explica Marcelo Goyanes, advogado especialista em direito autoral e propriedade intelectual. Para o especialista, a discussão é de ordem mais técnica. “A Suprema Corte vai ter de interpretar se basta que essa obra original transmita um sentido novo ou, se além disso, vai continuar sendo uma infração se não for possível dissociá-la da obra original.”

Possíveis consequências

Para os advogados da Fundação Warhol, a decisão da Segunda Instância “esfriará a expressão artística e minará os valores da Primeira Emenda”, que trata da liberdade de expressão, e “lança uma nuvem de incerteza jurídica sobre todo um gênero de arte visual”.

“Os Estados Unidos sempre tiveram uma postura, nesse campo de fair use e de liberdade de expressão artística e liberdade em geral, muito forte. Não é à toa que está na Primeira Emenda à Constituição, é algo que o americano sempre prezou e protegeu com muita força”, explica o especialista Marcelo Goyanes. “E esse caso envolve liberdade de expressão, mas é um choque entre liberdade de expressão e proteção de direitos autorais. Até que ponto, nesse caso, existia um direito de Warhol utilizar uma obra preexistente sem autorização?”

Caso a Suprema Corte reconheça os direitos reclamados pela fotógrafa, Goyanes acredita que outros artistas plásticos, galeristas e exposições poderão ser processados pelos titulares dos direitos das obras originais utilizadas como base, sem autorização prévia. “Acho que não é tão imediato o efeito, em termos de mudança de comportamento, mas deve desencadear outras ações parecidas, porque existem muitos artistas que vieram da onda da Pop Art nos Estados Unidos e que desenvolveram suas carreiras em cima de adaptações de obras preexistentes.”

E os mais clicados dessa semana de muita confusão:

1. g1: Galeria de fotos Oscar 2022 – Vencedores e convidados.

2. Folha: Aliados de Rodrigo Garcia temem contaminação por impopularidade de Doria.

3. Folha: Recuo de Moro e vaivém de Doria mudam xadrez da terceira via.

4. Folha: Doria cogitou desistir de candidatura presidencial e seguir no governo de SP.

5. Metrópoles: Os bastidores da reunião que ressuscitou a candidatura de João Doria.

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24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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