Prezadas leitoras, caros leitores —

Esta edição de sábado é especial para nós aqui no Meio. Ela marca o início de um processo que vai levar a mais conteúdo voltado com exclusividade para vocês, nossos assinantes premium. Para garantir a qualidade nesse momento de ampliação, o Meio contratou uma editora particularmente especial para cuidar daquilo que só vocês recebem.

Especial porque, ora, Flávia Tavares dedicou sua carreira justamente ao jornalismo voltado para o público mais qualificado. Ela disparou como repórter do Aliás, o caderno dominical com conteúdo especial do jornal O Estado de S. Paulo, ainda no início do século. Trabalhou na sucursal de Brasília da revista Época, na qual escrevia longas reportagens sobre os bastidores da política e de onde saiu como editora de Brasil. Agora, mais recentemente, fomos buscá-la na CNN Brasil, onde era editora-chefe de Digital. É Flávia quem assina o artigo que abre a edição de hoje.

Mas não só. Sem que o preço da assinatura do Meio aumente em um único centavo, os assinantes premium passarão a receber uma segunda newsletter semanal, também sob os cuidados da Flávia. Circulará todas as quartas-feiras e será dedicada à análise política. Quem assina o texto de estreia é o cientista político Christian Lynch, da Uerj, que escreverá mensalmente no espaço.

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Edição de Sábado: O Futuro Ausente

Com um fundo embaçado e um branco idílico de figurino, Lula surge na tela proclamando: “Meus amigos e minhas amigas, nos tempos do PT não faltava comida na mesa”. Uma mulher de cabelos grisalhos evoca os tempos em que, com R$ 100, ia ao açougue, ao sacolão e à padaria. Outra, um pouco mais nova, exalta a memória da segurança de saber que, ao voltar da escola, seu filho teria o que jantar. “Ele botou o pobre para comer uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes se tivesse fome”, diz um homem de meia idade. Por fim, um idoso, cabeça bem branquinha, rememora um Brasil em que o “povo andava de barriga cheia”. O slogan “se a gente quiser, a gente pode” encerra a propaganda.

A inserção petista foi ao ar há três semanas. As propagandas estão no calendário eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entre 2 e 11 de junho, é a vez do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Pelo que apurou a colunista Malu Gaspar, do Globo, que teve acesso à peça, o mote da reeleição é: “Sem pandemia, sem corrupção, com Deus no coração”. Parte se eximindo das responsabilidades por um governo tragicamente desastroso e corrupto; parte apelando à pauta religiosa como disfarce.

É um confronto entre a lembrança do passado e uma interpretação do presente. Falta um tempo a essa conjugação de Brasil. O futuro está ausente. Como uma terceira via ainda não se mostrou viável, os discursos postos até aqui trazem um embate entre entre a memória e a negação. Um olho no retrovisor, um na gasolina. E ninguém atento ao destino.

As pesquisas eleitorais começam a indicar caminhos, cenários e riscos para Lula e Bolsonaro. O cirismo estagnou. Sergio Moro acabou. O fratricídio tucano segue seu previsível roteiro. O presidente se beneficia muito por não ter um candidato-de-contenção na centro-direita e, por isso, vem crescendo a cada rodada.

A pesquisa Exame/Ideia divulgada ontem, dia 22, confirmou que o quadro ficou mais polarizado entre Lula e Bolsonaro. Na pergunta espontânea, 63% dos entrevistados dizem que votam em um dos dois. Os demais pré-candidatos não somam 10%. A pesquisa Ipespe, por sua vez, reforça que a aprovação ao governo Bolsonaro vem aumentando e que a percepção da economia, melhorando.

Lula e Bolsonaro são dois candidatos conhecidos do eleitorado. Em julho de 2018, para termos de comparação, metade dos eleitores não conheciam Jair Bolsonaro nem Fernando Haddad, o candidato petista. E está sobrando pouco eleitor a ser disputado.

O antipetismo segue como força inabalável para cerca de 45% dos votantes brasileiros. A reprovação ao governo de Bolsonaro ficou em 46% no último Datafolha, do fim de março. Entre os que ainda podem ser cortejados estão os jovens de centros urbanos. Os jovens que conhecem a pujança do lulismo somente de ouvir falar, que veem no atual desnorte econômico uma ameaça concreta e que não recebem dos candidatos nem uma piscadela sobre seu futuro.

Ou seja: dentre os poucos eleitores que podem ser conquistados estão justamente os que desejam ouvir não sobre passado ou presente, mas sobre o que virá.

Bolsonaro, como ficou ainda mais evidente essa semana com sua nova afronta ao Supremo Tribunal Federal, não tem qualquer interesse em falar de futuro. Está mais dedicado ao confronto, ao incêndio da democracia, à política do caos. Mas seu crescimento nas pesquisas e a queda à reprovação de sua gestão acendem um colossal sinal de alerta a quem achava que sua derrota era certa. E viver só de passado, para parte dos eleitores, será insuficiente.

Memória como trunfo — e risco

As propagandas eleitorais podem não ter a relevância de outros ciclos, mas são o que há de mais revelador sobre as estratégias das candidaturas no momento em que vão ao ar. Isso está bem mais diluído com o estado de comício permanente que as redes sociais promovem. Ainda assim, seja simbolicamente ou por efeito prático, as peças publicitárias espelham um estado de espírito dos QGs das campanhas.

Não se sabe se Lula e sua equipe estavam se guardando para quando o carnaval extemporâneo chegasse para revelar uma tática mais vistosa, mas o exibido até aqui é uma opção pela memória de tempos melhores. A catástrofe econômica da gestão atual favorece esse discurso, por óbvio. Mas a altercação entre os principais chefes da comunicação do PT, Franklin Martins e Jilmar Tatto, ao longo da semana que passou e o afastamento do marqueteiro Augusto Fonseca indicam que essa escolha, bem como a da versão emagrecida do slogan de Barack Obama, podem não ter tido a performance esperada.

“Lula tem no passado sua maior virtude. O melhor dele está lá. Mas lá também estão seus maiores limites”, diz Jairo Nicolau, cientista político especialista em comportamento eleitoral e autor de O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. A economia e a política social são um imenso trunfo de Lula, que conseguiu descolar seu período do de Dilma no imaginário do eleitor. Mas o bolsonarismo vai recorrer aos escândalos pretéritos para alimentar o antipetismo.

Vislumbrar o futuro não é missão trivial para Lula — ou para qualquer candidato nesse elenco primordialmente de homens brancos de meia idade e idosos que se repete na corrida deste ano. De 2002 para cá, e mesmo a partir de 2010, o Brasil se transfigurou. “A década pós-Lula foi a das redes sociais, área dominada por Bolsonaro. O país se desindustrializou, ganhou 15 pontos percentuais de evangélicos. Hoje, média e alta escolaridade são maioria do eleitorado, assim como as mulheres. Algo entre 30 a 35% do eleitorado nunca votou no Lula. É  um eleitor mais jovem, com quem ele tem mais dificuldade. No segundo turno de 2018, Bolsonaro teve cerca de 70% dos jovens do sexo masculino. Entre homens jovens, Lula perde hoje nas pesquisas. Por isso, sua campanha precisa de algo prospectivo.”

Foi essa uma das estratégias usadas por Joe Biden, nos Estados Unidos, para derrotar Donald Trump. A professora Lorena Barberia, pesquisadora do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais da USP e do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público da FGV-SP,  defende que o fato de Biden, ele próprio um idoso sem identificação natural com a população mais jovem, ter insistido em ser o candidato das propostas de virada pós-pandemia, dos pacotes trilionários, foi definidor para sua vitória. “Na eleição americana, foi muito importante falar que, do lado republicano, não existia plano para sair da crise. Biden foi pró-ativo em propor uma agenda de saída. Isso não está aparecendo aqui.”

Não é só a economia, estúpido

Do lado bolsonarista, o futuro parece ainda mais etéreo. A retórica eleitoral do presidente está assentada em duas grandes apostas. A primeira de se descolar do desastre econômico que é seu governo e da culpa pelas quase 700 mil mortes na pandemia. Ele encontrou uma fórmula de associar as duas tragédias que ressoa com seu público: a de insistir que a inflação e o desemprego atuais são resultado dos lockdowns pandêmicos.

“O mundo todo está agora com uma inflação de alimentos grande, fruto da pós-pandemia, do ‘fique em casa’, e também a questão da guerra da Ucrânia e Rússia. O Brasil desponta no momento como o melhor país para investimentos”, disse Bolsonaro em um vídeo publicado em suas redes no dia 9 de abril. “É recuperar isso aqui e tocar o barco, acreditar no Brasil.”

É ampla a literatura internacional sobre reeleição que destaca a situação econômica desfavorável como fator de enorme risco para um postulante. A frase “É a economia, estúpido”, cunhada em 1992 por James Carville na campanha de Bill Clinton contra George H. W. Bush, que tentava a reeleição e perdeu, incorporou o consenso, levando-o ao status de clichê. Mas não o tornou necessariamente menos verdadeiro.

“Um contexto de desemprego e inflação fora de controle prejudica as chances de reeleição. Mas a literatura também aponta que, se o eleitor enxerga esse contexto como uma tendência global e o desempenho de seu país como não tão pior que outros, pode entender o mandatário como vítima desse cenário. Para Bolsonaro, a eleição será sobre responsabilização”, explica Lorena Barberia.

Como atual presidente, ele ainda tem recursos e a máquina estatal para tentar emplacar uma melhora na economia. É o que fazem todos os presidentes candidatos à reeleição em ano eleitoral, já que a lei brasileira não os obriga a sair do cargo para concorrer, como governadores e prefeitos. Porém, para conquistar votos fora da base, a margem de manobra de Bolsonaro na frente econômica é limitada justamente pela situação internacional. Existe uma pressão inflacionária global, incluindo do petróleo, de que ele não terá escapatória. E essa percepção de piora na vida do brasileiro pode ferir sua campanha.

Aqui entra a segunda aposta do presidente. E essa é a que o viabiliza desde sempre. É a pauta de costumes, valores e religiosa. Bolsonaro ganhou projeção nacional quando, já deputado, em 2011, passou a levantar, de forma histriônica, esse tipo de bandeira — a da homofobia na frente. Até 2011, ele era nada mais que um porta-voz de militares de baixo escalão no Congresso. Alguns de seus assessores enxergaram nesses temas a chance de mudar o bolsonarismo de patamar. E mudou. Em 2010, ele havia sido eleito deputado federal com 121 mil votos. Em 2014, foram 464 mil. E, em 2018, 57,8 milhões no segundo turno.

“Em 2018, quando ele se elegeu, a economia não foi tema. O bolsonarismo é como uma subcultura, ele mobiliza o conservadorismo brasileiro e tem um altíssimo poder de comunicação. Essa será uma eleição entre duas das maiores lideranças populares do pós-1988, de paixões, de dimensão emocional com inclinações ideológicas opostas. É possível que isso se sobreponha à pauta econômica”, diz Jairo Nicolau.

Maurício Moura, economista, presidente do instituto de pesquisas Ideia e autor de A eleição disruptiva: por que Bolsonaro venceu, acrescenta ao fator cultural o geográfico. Ao participar do Conversas com o Meio, ele assinalou as regiões de fronteira agrícola, que hoje encarnam o Brasil que deu certo, próspero, como bastante sólidas na opção bolsonarista.

Para ele, quem vai decidir a eleição são os 10 pontos percentuais que votaram em Dilma em 2014, em Bolsonaro em 2018, e está decepcionado hoje. São as classes B e C em São Paulo, Rio e Minas. “No final de 2018, metade dos eleitores de Bolsonaro das cidades pequenas e médias acreditava no kit gay. Valores contam muito nas cidades pequenas. As pequenas e médias cidades ligadas à agricultura terão desempenho diferente dos centros urbanos, como está sendo na França e foi no Brexit. É um fenômeno global. Eleitoralmente falando, são dois mundos diferentes.”

Boa parte dos brasileiros ainda não está ligada ao assunto eleição. Está reacomodando sua rotina nessa nova fase da pandemia, procurando emprego, vivendo. Cabe aos atores políticos sugerir uma visão de futuro para o Brasil.

Ao som de panelas, a formação política da geração Z

Até o momento, cerca de 6 milhões de brasileiros entre 16 e 17 anos podem comparecer às urnas nas eleições presidenciais de outubro. São jovens nascidos em 2005 e 2006. Considerando a faixa que vai até os 24 anos, chega-se a 29 milhões de votos potenciais. Enquanto Lula aposta em recordar os feitos de seus governos, Bolsonaro investe em piadas e memes nas redes sociais para atrair o público jovem — que tem se mobilizado. Apenas na plataforma de vídeos TikTok, a hashtag #jovenscomBolsonaro acumula mais de 1,3 milhão de publicações. A #juventudecomLula tem 2 mil. Bolsonaro tem 1,3 milhão de seguidores na rede mais usada por jovens atualmente. Lula ainda não tem conta oficial por lá - mas já sentiu o baque e anunciou que terá em breve. Jornalistas do Meio, Tay Oliveira, carioca, e Giullia Chechia, paulistana, relatam o que é ser uma jovem brasileira tendo sua formação política construída na última década, com panelas batendo de lado a lado do espectro político.

Tayane Oliveira, 23 anos

Não sei muito bem em que ano se dá o início das minhas memórias políticas. Minha lembrança mais antiga é de consumir produtos e viagens exclusivas da classe média carioca. Não morava num bairro nobre do Rio de Janeiro. Ao contrário, vivia em Bangu, na Zona Oeste. Mesmo ali, tinha meus privilégios. Quando criança, frequentei escolas particulares que eram referências no bairro. Todos os dias ganhava um Kinder Ovo. Sempre tive computador em casa. Viajávamos pelo menos duas vezes por ano. Na época, ainda não tinha a capacidade de entender que o cenário econômico do país interferia na minha rotina. Hoje, isso é claro. Aos 23 anos, olho para trás e percebo que, ao longo dos anos, a qualidade de vida da minha família apenas caiu.

Não sabia quem era esse tal de Lula. Mas desde cedo, em casa, ouvia que ele fazia muito por nós. Lembro como se fosse ontem quando minha madrinha contou para toda a família que, a partir do sistema de cotas, havia passado em Medicina na UERJ. Até que em 2013, aos 14 anos, me vi uma adolescente preta, moradora da periferia do Rio, frequentando ambientes majoritariamente brancos e de classe média. Me deparei com a maioria das famílias das minhas amigas batendo panelas. Não entendia por que a minha não batia.

Nesse mesmo período, minha prima, que sempre teve o sangue fervendo pela política, estava começando a caminhada em partidos comunistas. Me lembro nitidamente de passar noites em claro conversando com ela sobre a questão política do Brasil. Noites infinitas, nas quais ela me falava sobre Karl Marx e os motivos que a levaram seguir o caminho da militância. No início, a acompanhava em alguns atos, mas logo percebi que não me encaixava ali. Me sentia mais à vontade observando, estudando e aprendendo. Apesar de a política ter feito muito por nós, minha mãe deu graças a Deus por eu não ter seguido o caminho da militância. Depois de 2018, política se tornou quase um assunto proibido em casa. A política nos atravessa sem que precisemos falar sobre ela. De uma forma ou de outra, ela está lá.

Giullia Chechia, 21 anos

Eu só queria comer pizza. Odeio aniversários às segundas-feiras, tenho fé que ainda vai nascer quem goste. Daquela vez odiei mais. Véspera do meu dia, a comemoração em família naquele fim de domingo tinha o mesmo gosto deste Carnaval de abril — longe do ideal, ainda assim o que dá para fazer. Na caderneta, minha mãe riscava números, esboçava e planejava o máximo que poderia gastar. Estávamos prontos para a chegada dos meus 13 anos, mas aquele domingo era 30 de junho de 2013. Com as ligações frenéticas das minhas tias no engarrafamento, percebi que algo estava errado — no trânsito da avenida perto de casa, no Morumbi; em São Paulo; no Brasil. Por que tantos indivíduos deixaram suas casas, empunharam cartazes e interditaram as ruas num fim de domingo? Obviamente, para estragar meu jantar de quase aniversário.

Conseguimos atravessar a cidade, cortar o último dia das Jornadas de Junho e entrar na pizzaria pouco antes de as portas fecharem. Entre uma fatia e outra, me dei conta de que a mesma política que consumia o país em chamas também me engolia. Foi amargo descobrir que as decisões tomadas por engravatados em Brasília impactavam a minha vida. Ao mesmo tempo, libertador. De um dia para o outro, soube que não só eu havia sido despejada. Cortar gastos, mudar de casa, precisar tirar notas acima de oito para manter a bolsa na escola particular e vender o carro integravam aquele pacote de coisas que os jornais caracterizavam como crise. “É tudo culpa do PT”, diziam os vizinhos.

Bati panela para a vida melhorar. Não adiantou. Então, aos quinze, fui trabalhar. De manhã, escola. À tarde, recreação em festas infantis. Na cozinha do buffet, enquanto me dava comida escondida, uma das copeiras me contou que sua filha havia entrado na faculdade. Com os olhos marejados, disse que era a primeira de sua família no Ensino Superior. Legado do Lula, dizia ela. Já os R$ 46 que eu recebia por evento não me ajudavam tanto assim.

Nas aulas de ciência política, no nono ano, entendi que o problema tinha raízes profundas. Nos índices, vi o emprego nos governos Lula. Pelos gráficos, percebi a esperança tomando forma no início dos anos 2000. Dentro de casa, senti a esperança se desintegrar. Quando a decepção se tornou potência esquisita, decidi me dedicar a estudar e trabalhar com política. Enxerguei que o ódio das ruas não era caso isolado. Já consciente politicamente, percebi a frustração se tornando movimento e elegendo por vias democráticas quem detesta a democracia. Tenho percebido jovens com brilho nos olhos que fazem questão de participar ativamente da discussão e do jogo político, seja votando ou se candidatando. Jovens que, assim como eu, não lembram da vida nos governos Lula. Só ouvem falar.

Disco de vinil: uma demonstração de amor

Depois de um dia de trabalho como atendente da Disconcert, uma loja de discos de vinil em Perdizes, em São Paulo, Ananda Ferreira Passarelli, 28 anos, gosta de chegar em casa e ouvir os discos de sua coleção particular de mais de 420 Long Plays (LP) e compactos. Suas bandas favoritas são os Mutantes e os Beatles, mas ultimamente os discos de Joni Mitchell, João Donato e Tom Jobim não saem de sua vitrola. Cena comum na vida de qualquer amante da música nas décadas de 1970, 80 e até 90, épocas em que os discos de vinil, especialmente os LPs, eram muito populares. Mas aqui trata-se, na verdade, da rotina de Ananda nos dias atuais.

Ananda faz parte de um nicho de colecionadores apaixonados de discos de vinil em 2022, ano em que plataformas como Deezer, Spotify e Apple Music oferecem acesso a uma vasta biblioteca de faixas gravadas por taxas relativamente baixas.

A ligação de Ananda com a música e os discos de vinil vieram, em parte, por influência do pai, embora ele tenha se desfeito de sua coleção logo quando ela nasceu, mantendo apenas dois compactos dos Beatles. “Tinha uma certa curiosidade sobre esses ‘disquinhos’ que ele guardava. Mas a influência dele veio mais pela música do que pelo disco mesmo. Sempre gostei de mídia física, comprava mais CDs na adolescência”, explica.

O Brasil não tinha mais nenhuma fábrica de discos de vinil até a Polysom, no Rio, renascer em 2010. Ananda começou a colecionar discos de vinil em 2011. “Sou muito conectada com música e tenho interesse na cultura vintage. Então, comecei comprando LPs das minhas bandas favoritas dos anos 1960 e 70, sem entender muito sobre as edições e outros detalhes técnicos. Aos poucos, o interesse foi crescendo e hoje trabalho com venda de discos, além de continuar mantendo minha coleção pessoal.”

O comerciante carioca Tadeu Kebian, 24 anos, compartilha da mesma paixão pelos LPs. Embora tenha crescido já na era do CD e o vinil fosse um formato desconhecido para ele, o gosto pelos “bolachões” nasceu pelo fascínio de Kebian pela “Era de Ouro do Rádio”, quando este era o principal meio de comunicação e entretenimento no país e cantores como Ângela Maria, Cauby Peixoto e Dóris Monteiro brilhavam como estrelas nos anos 1950 e 60.

Hoje, sua coleção conta com mais de 20 mil discos, muitos deles autografados por artistas como Wanderléa, Ney Matogrosso e o próprio Cauby. Tadeu até aparece no documentário “Cauby – Começaria tudo outra vez”, do diretor Nelson Hoineff, lançado em 2015. “Por causa da minha coleção e minha paixão pelo Cauby, acabei participando do filme dele e me aproximei dos cantores de quem eu era grande fã”, celebra Kebian.

Para ele, apesar dos avanços tecnológicos, nem tudo está nas plataformas digitais. “Principalmente dos artistas da ‘Era do Rádio'“, ressalta o colecionador. “Além disso, é um contato diferente e mais próximo que a música do vinil proporciona. Sinto toda a energia que as músicas carregam. É um verdadeiro caso de amor. É o meu melhor remédio.”

Mais que um caso de amor, os discos de vinil também se tornaram a fonte de renda para Ananda, que é formada em Design de Moda. Em 2021, na pandemia, ela deixou o emprego em um ateliê. “Eu estava cansada e fiquei alguns meses desempregada, pensando no que fazer. Foi quando a minha família e os meus amigos me deram uma ideia: ‘por que você não trabalha com discos, algo que você gosta?’”, conta a colecionadora. ”Eu já vendi alguns discos antes, mas estava com receio. Quando finalmente comecei a planejar ter uma loja própria, os sócios da Disconcert, que são meus amigos, me convidaram para trabalhar com eles.”

Para Ananda, ouvir disco de vinil é também uma experiência. “É essa relação afetiva, de poder relaxar em casa ouvindo um disco atentamente, prestando atenção a tudo, conhecendo um som novo. Ou compartilhar esse momento com amigos. Isso não tem preço.” Ela também considera o álbum físico um documento importante da música de cada período. “Pelo design da capa, os conteúdos dos encartes e fichas técnicas”, ressalta. “Eu também me preocupo bastante com a qualidade sonora, mas nem todo vinil tem um som legal, assim como tem muita coisa com qualidade excelente em CD e no streaming.”

Foi também durante a pandemia que a professora de inglês Daisy Vidas, 34 anos, de São Paulo, voltou a colecionar discos físicos de vinil. Moradora de São Paulo, ela se interessou pelo vinil ainda na adolescência, em 2003, aos 15 anos. “Eu gostava muito dos Beatles e reparei que dava para achar com facilidade os discos do Paul McCartney. Acabei comprando diversos LPs dele”, conta. “Pouco tempo depois, me interessei por rock progressivo e a coleção cresceu, mas desanimei com o aumento dos preços. Acabei largando a coleção por um tempo e voltei em 2020.” Hoje, ela tem 120 discos.

Pode ser exagero dizer que a moda do vinil voltou. Mas, em 2021, as vendas de vinil superaram os CDs em quantidade de cópias nos Estados Unidos pela primeira vez em 30 anos. De acordo com um relatório da MRC Data em parceria com a Billboard, o formato correspondeu a 38,3% de todas as vendas de álbuns no país. O vinil representou 50,5% dos álbuns físicos vendidos, 41,72 milhões de 82,79 milhões. O disco “30”, da Adele, lançado em novembro, foi o mais comercializado. Entretanto, a indústria global de streaming de música continua crescendo. Um relatório da Grand View Research mostra que esse mercado deve atingir US$ 103 bilhões em 2030, bem acima dos US$ 34 bilhões em 2022.

Assim como muitos colecionadores de vinil nos dias atuais, Daisy também usa o Spotify e outras plataformas de streaming para ouvir música. “Mas eu valorizo muito o fato de ter a mídia física”, conta. “Fora que um disco bem conservado num toca-discos de qualidade realmente tem um som superior, sem distorções. Eu também gosto da preocupação e do trabalho que se faziam com capas, como as do Hipgnosis, por exemplo. Elas são icônicas e marcaram uma época, fizeram tanta história quanto a música em si.” O grupo britânico de design foi responsável pela arte de capas de álbuns de bandas consagradas nos anos 1960, 70 e 80 que se tornaram clássicas, como a famosa capa do prisma em “Dark Side of The Moon” (1973), e o “Wish You Were Here" (1975), do Pink Floyd, e “Difficult to Cure” (1981), do Rainbow.

Afinal, como explicar o hábito de colecionar discos em plena era do streaming? Para o Tadeu Klebian, é uma analogia simples: “Ouvir uma música nas plataformas digitais é como ouvir um ‘Eu te amo'”. Mas, ter e ouvir um disco de vinil, é como receber uma demonstração de amor.”

Memes, vídeos e áudios - os mais clicados desta curta semana:

1. Poder360: Aparência de Aécio em foto com Eduardo Leite vira meme.

2. Youtube: Ponto de Partida – Como Bolsonaro ameaça a democracia.

3. O Globo: Áudios de sessões do STM em que se discutia abertamente a prática de tortura durante a ditadura.

4. Youtube: Ponto de Partida – O PT não entendeu a eleição digital.

5. Youtube: O primeiro trailer de Thor: Amor e Trovão.

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‘Mapa de apoios está desfavorável ao Irã e sua visão de futuro’, diz Abbas Milani

17/04/24 • 11:00

O professor Abbas Milani nasceu no Irã. Foi preso pelo regime do xá Reza Pahlavi. Depois, perseguido pelo regime islâmico do aiatolá Khomeini. Buscou abrigo nos Estados Unidos na década de 1980, de onde nunca deixou de lutar por uma democracia em seu país de origem. Chegou a prestar consultoria a George W. Bush e Barack Obama, numa louvável disposição de colaboração bipartidária. Seu conselho sempre foi o mesmo: o Irã deve se reencontrar com um regime democrático, secular, por sua própria conta. Sem interferências externas.

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