Edição de sábado: “Na favela, a gente sobrevive”

Um tiro no peito matou Jonatan Ribeiro de Almeida, de 18 anos, na favela Jacarezinho, Zona Norte do Rio. A bala não estava perdida. Tinha alvo certo no corpo negro, jovem e de periferia. O autor do disparo foi um policial militar que, depois de mentir que havia atirado num confronto com traficantes, admitiu que não houve troca de tiros. As forças policiais argumentam que Jonatan estava vendendo drogas e portava a réplica de uma pistola, o que sua família nega.

É uma justificativa para o extermínio — e ela ressoa com parte da opinião pública, adepta da máxima “o bandido escolhe essa vida, plantou o que colheu”. Mas para o morador da favela, que testemunha diuturnamente a brutalidade policial, essa é apenas uma estratégia de desumanização. Diego Aguiar, de 24 anos, assistiu ao assassinato de Jonatan, que aconteceu às vésperas do aniversário de um ano da operação na favela que deixou 28 mortos, entre eles um policial civil, e se tornou a mais letal ação da polícia no Rio. Diego filmou os instantes seguintes ao crime e passou a sofrer ameaças. Ele relata ao Meio, com exclusividade, o que viu e o que vive — ou como sobrevive — como morador do Jacarezinho. Leia seu depoimento abaixo.

“E aí, Jo, tranquilo?”, perguntei. A gente se cruzou, se cumprimentou com a mão e seguiu. Isso foi segundos antes de tudo.

Sempre fui esportista, joguei no Palmeiras e no Fluminense. E o Jonatan, bem pequenininho, vinha brincar por perto. Eu não tinha uma intimidade grande, porque ele era criança e eu era mais velho. Quando cresceu, o chamava para ir nos meus projetos, e ele sempre tranquilo. Nunca imaginei que isso fosse acontecer. Naquele dia, por volta das 20h, numa noite normal na atmosfera da favela, passava pela beira do rio, no lugar que a gente chama de Pontilhão, e o encontrei. Estava sozinho.

Cinco minutos antes, dois carros da polícia tinham passado e saído. É incomum, sempre passa um carro por vez, um Caveirão... Mas, como a favela está ocupada [por forças policiais desde janeiro], não dei tanta atenção. Depois de dar oi pro Jo, caminhei uns 10 ou 15 metros, vieram uns três policiais correndo, vindos da linha do trem, e um deles disparou. Sem mais nem menos. Todo mundo se assustou. O Jonatan caiu.

Os policiais deram o tiro e correram. Por que eles estavam correndo? Por que não pararam? Disseram, primeiro, que os moradores estavam hostis e que acontecia um confronto. Confronto e os moradores circulando ali? Não faz sentido.

Peguei o celular no nervosismo. Estava descarregando, foi um milagre. Mas meus vídeos acabaram viralizando. Alguns policiais influencers compartilharam, recebi muitas mensagens de ameaça, dizendo que estava defendendo traficante. Mas estou relatando não sobre ele fumar ou não, mas sobre algo que aconteceu de forma absurda. Foi um tiro. Uma execução. Do nada, um disparo e o moleque caiu. Depois, filmaram a cápsula da bala. Levaram ele para a UPA de Manguinhos, eu acompanhei. Os avós estavam passando mal. O desespero da mãe. Gravei um vídeo falando “só querem nos matar o tempo todo”. É isso que acontece no Jacarezinho.

Ali é um local bem movimentado. Tem uma quadrinha onde ficam umas crianças brincando, olha o perigo! Tem um bar onde o pessoal assiste jogo de futebol ou toma cerveja ou uma água quando chega do trabalho; tem uma barraca em frente que vende lanche. E não adianta perguntar por que alguém estava parado ou passando ali. A gente está na nossa favela. Não deveria ter de justificar.

O mais triste foi a polícia soltar uma nota dizendo que ele estava com uma réplica de pistola, com drogas e que estava acontecendo um confronto. Quem numa ocupação, com policiais de elite, com armamentos pesados, vai andar com uma réplica na cintura? Só se ele quisesse morrer. Não tem lógica.
Hoje, já tem notícia dizendo que o policial confessou ter atirado. Também confessou que não houve confronto. Como vou falar que ele não estava com aquela pistola se a polícia vai dizer que estava? A voz da polícia sempre vai ser mais forte.

E eu fico me perguntando por que a polícia não está com as câmeras nos uniformes? Já tem lei, tem dinheiro para comprar, teve teste no réveillon do ano passado. Quantas pessoas têm de morrer na favela para o Estado colocar as câmeras, se elas protegem as pessoas e o próprio policial? Não precisaria de eu estar aqui dando minha versão. A câmera falaria por si. Falaria se os moradores ou o policial estão contando o certo.

É triste o policial ter de mentir para fugir do que de fato aconteceu. É tudo uma tristeza. Foi um tiro, mas destruiu uma família, o filho de quatro meses, amigos. Dói. Teve gente que me cobrou, disse que eu estava generalizando. Não são todos os policiais que nos matam. Mas é um ambiente em que mesmo quem é honesto se corrompe. Se ele age na lei, acaba virando alvo da própria polícia. Uns dias antes, um policial me tratou super bem, falamos de uma cadelinha que estava perdida, eu disse que estava procurando um dono para ela. Foi numa boa, tem um diálogo, sem ódio, nada.

Falo isso como morador, sobrevivendo há 24 anos na favela. Não quero que as mais de 100 crianças que ajudo nos meus projetos morram e sejam colocadas como traficantes. E não quero que elas sejam traficantes.

Sou nascido e criado no Jacarezinho. Tive uma infância, como todos os favelados, sofrida. Meu pai e minha mãe são trabalhadores. Ela é ambulante; ele sempre trabalhou nas indústrias aqui ao redor da comunidade, na antiga General Electric. Depois que a empresa faliu, ficou desempregado, e a vida ficou bem difícil. São coisas que todos os favelados têm passado.

Na adolescência, comecei a olhar para a minha favela, que eu tanto amo, e vi que tinha uma ausência de projetos, de governo, de coisas bem básicas que existiam em outros lugares. Aqui no Jacarezinho só tem uma área grande para entretenimento e esporte, sempre foi difícil conseguir uma vaga. Com 13 anos, já fundei projetos no Jacarezinho, sempre focados em crianças e adolescentes. Comecei a fazer projetos esportivos, culturais, educacionais. Tenho dois irmãos mais velhos, também na rotina de ações sociais.

A gente se considera a segunda maior favela da América Latina. É muito grande, tem 80 mil moradores [estimativa da associação de moradores; IBGE fala em 38 mil]. Na favela, nasceram grandes figuras como o Romário e o deputado federal David Miranda. Aqui tem pessoas inovadoras, criativas. E é um lugar de muita luta. A favela surgiu por causa das indústrias que estavam em volta do Jacarezinho. Trabalhadores começaram a fazer suas casas ao redor. Conforme as indústrias foram falindo, os moradores perderam o emprego. Mais de 30% dos homens e mulheres da favela trabalhavam na indústria daqui, ficaram desempregados e tiveram de se reinventar.

E a favela é considerada uma das mais pretas do Brasil. Isso com base em uma pesquisa que mostrou que houve, aqui dentro, o Quilombo Jacaré. Por isso, outros pretos vieram da Bahia e do resto do Nordeste. Aqui nunca teve milícia, sempre foi outra facção comandando. A gente não sabe quando e o que vai acontecer, porque no Rio está tudo misturado. Mas nós moradores sabemos que essa não é nossa guerra. Não é nossa questão defender um, defender outro. Na favela, a gente sobrevive.

Nós falamos da ausência do Estado, de estrutura, mas aqui tem muita coisa -- só que somos nós mesmos que fazemos. O Jacaré não é carente. O Jacaré é uma potência de moradores que fazem acontecer. O governo não faz o básico. E sempre a justificativa é que a área é dominada pelo tráfico, uma área de resistência. Isso é desculpa. No Carnaval, fizemos festas com os moradores e o Caveirão passando. Na Páscoa, as crianças recebendo um ovo e o Caveirão passando. Não consigo enxergar uma família da Zona Sul vivendo isso e achando normal. Jamais vou normalizar isso.

Nós não ensinamos as crianças a ter medo da polícia. Elas têm essa consciência desde cedo. E isso tem consequências graves, até psicológicas. Eu levo crianças para fora da favela, para um projeto cultural, elas ficam com medo se veem um policial. Como vou explicar para essa criança que a polícia está ali para defender a gente, se ela já tem medo porque na favela a polícia trata a criança diferente?

Não tenho nada contra policiais. Eu já conversei com o David Miranda sobre um projeto de lei que ajudasse policiais com questões de saúde mental. A gente tenta ajudar, sabendo como é um confronto, o que passa na cabeça de um policial. Eu sei o trauma, porque vivo isso dentro de casa.

Minha primeira memória de polícia é de quando eu tinha 8 anos. Vi a polícia invadindo a casa do meu vizinho e batendo muito nele. Na favela, é assim. Sai tiroteio, o pessoal corre pra janela, perde o medo, vira curioso. Eu vi meu vizinho, que saía de casa às 13h e voltava às 3h do trabalho, só pensava nos filhos, levando uma surra. Dali, nunca consegui ter uma imagem de admiração da polícia dentro da favela. Fora da favela, eu parabenizo muitas ações que fazem a diferença. Mas aqui a polícia entra olhando os moradores como inimigos.

Hoje está pior. Presenciei criança de 3 anos levando tapa na cara de policial. Isso tem menos de quatro meses, foi no começo da ocupação. São coisas que a gente vê e não tem como falar nada. Vou denunciar a polícia para a polícia? Eu tenho medo. Não quero ser estatística.

Tenho uma foto com 10 amigos do futebol, com 10 anos. Se tiver três vivos, é muito. Vamos dizer que foram sete que morreram. Eu acho que cinco tinham entrado na vida errada. Mas existe uma diferença entre entrar na vida errada e ser morto num confronto e a de estar na vida errada e ser assassinado. As pessoas normalizam: “ah, morreu, mas era traficante”. Não é assim. Não tem pena de morte no nosso país. Não pode matar uma pessoa por ser traficante, ter passagem, fumar maconha. Muitas coisas que acontecem na favela são uma execução e não uma troca de tiro, como acabam relatando. Tenho medo de aparecer morto e alguém dizer que eu estava com droga e uma pistola.

Não vou generalizar que toda interação com a polícia é ruim. Na maioria das vezes, sim, a polícia age fora da lei na favela. A invasão de casas, por exemplo, é fora da lei. Agredir morador, furtar coisas da casa dos moradores. Já teve situações em que eu estava em casa dormindo e minha mãe me chamou, porque um policial civil queria fazer perguntas sobre a loja embaixo da nossa casa. Falei que não sabia quem era o dono, mas que a loja ao lado era nossa. Ele nos pediu para abrir. Fora [da favela], um policial só poderia entrar num imóvel com mandado. Mesmo assim, a gente na favela vai dizer não? Mas ele perguntou de forma bem tranquila, nos tratou super bem. Falou para eu continuar estudando para sair daqui.

Mas teve um dia que um outro policial perguntou da loja, dissemos que não era nossa e ele foi embora. Mais tarde, vi que ele tinha arrombado o portão e ficou travado. E tem essa tarja. Se passar uma pessoa branca, ela é invisível. A pessoa preta, com o cabelo cortado do estilo bem favela, vai ser parada. Vão mexer no celular, fazer tudo que for até descobrir que não tem nada a ver e mandar ir embora. Sempre que eu saio do Jacarezinho sou abordado. As perguntas são sempre as mesmas. “Tá vindo de onde? Onde você mora lá? O que tem perto da tua casa?”. Tudo para confirmar se sou morador.

Daí, vêm as perguntas sobre droga. “Se eu achar, vai ser pior.” Já levei três gerais num dia só. Num mês, são 20, 25 vezes. Tenho jovens de vinte e poucos anos nos projetos que nunca pisaram numa praia para não terem que passar por isso. A gente brincava que o Jonatan tinha o “pó do ninja”, porque ele sumia. Era bem caseiro mesmo. Não gostava de sair da favela, tinha medo. Não é todo mundo que tem o psicológico forte para ser sempre abordado. E é gente que muitas vezes não deve nada. Mas esse medo é algo que consome a pessoa.

O que eu mais senti desde segunda-feira foi decepção. Decepção de pensar que tudo poderia ser diferente pra nós da favela. Mas a gente sempre é levado para um lado de desprezo, abandono, de termos que ser sempre três vezes melhores para conseguir alguma coisa. A gente tem que sobreviver. Estamos a poucos dias de completar um ano da chacina no Jacarezinho. Já estávamos num clima de luto.

No Jacarezinho moram policiais, a favela formou esses agentes. É triste a gente ser visto como pessoas que defendem bandido, o tráfico. Aqui tem muita gente lutando pelas vidas e não por posições de hierarquia. Naquela chacina, um policial morreu. É triste ver tanto policial morrendo por falta de treinamento e preparo, só sendo empurrado para “treinar guerra” na favela. E quem sofre são os moradores.

No passado, lutaram por mim. E agora essa é a minha luta. Proporcionar isso para outras crianças, para que elas estudem, tenham conhecimento. Eu acho que o governo não quer que nós favelados, os jovens pretos, pobres, tenhamos conhecimento, entremos numa universidade. Vamos mudar o que eles não querem que a gente faça.

O homem que reinventa indústrias

“Ele é um ser humano terrível”, contou certa vez Elon Musk a respeito do pai a um repórter da revista RollingStone. “Você não tem ideia. Ele é do tipo que planeja o mal. Faz planos, mesmo. Nunca foi fisicamente violento comigo, só quando eu era muito pequeno. Mas cometeu todo tipo de crime que você possa imaginar. Se você consegue imaginar, ele fez.” Nas contas da Forbes, Musk é a pessoa mais rica do mundo. Um empreendedor serial, principal acionista da Tesla, da Space-X, de uma empresa de tatuzões para cavar nos subterrâneos chamada The Boring Company, e brevemente, se tudo correr conforme os planos, também do Twitter. Nesta semana que passou, rachou a internet em duas, fazendo com que parecesse o ídolo de um grupo e o vilão do outro, com pouca gente se colocando no meio. Como, aliás, têm sido as conversas em geral sobre política. Mas para compreender Musk é necessário, antes, compreender sua infância.

Errol Musk, 76, nega. Reconhece que, de fato, uma vez matou três pessoas — faziam parte de um grupo de cinco que invadiu sua casa, todos armados, ainda em princípios dos anos 1980. A Justiça o inocentou por legítima defesa. Mas eram também homens negros na África do Sul do Apartheid. A Justiça tinha lado.

Porque nasceu em 28 de junho, próximo do dia 30 que divide em que série as crianças sul-africanas são matriculadas, Elon foi por muito tempo o mais franzino da turma. Não bastasse, é um aspie. Flanco funcional do autismo, a Síndrome de Asperger estrutura uns cérebros particularmente capazes em matemática e música, que tendem a compreender o mundo por regras muito concretas, sempre buscando em tudo causas e efeitos claros. Mas, para eles, tudo que é abstrato é inatingível. Metáforas, por exemplo, ou as emoções dos outros. Mapeiam terrivelmente mal a emoção de quem estiver próximo, o que costuma causar sofrimento interno. Para o aspie, o outro é sempre um mistério indecifrável. Elon foi, até princípios da adolescência, o menino mirrado e esquisito, vítima dos bullies na escola. Era o menino que apanhava.

Quando os primeiros computadores pessoais começaram a pipocar na África do Sul, ele pediu um a seu pai. Mas nenhum dos poucos cursos aceitava crianças. Um dia, um grupo de cientistas da computação britânicos deu uma palestra a respeito da novidade na universidade em Pretória, e alguém permitiu que o menino assistisse. Desde que ficasse calado e num canto. À saída, quando os estudantes já haviam deixado o auditório, Errol precisou entrar — Elon havia sumido. O pai o encontrou entre os ingleses, ainda metralhando perguntas sequenciais. “Você precisa botar urgente um computador nas mãos dele”, ouviu Errol. Que o fez.

Esse convívio com o pai foi intenso. Em 1979, quando o rapaz tinha recém completos 9, o engenheiro sul-africano se separou da modelo canadense Maye. Ele escolheu viver com o pai. “Senti pena de ele ficar sozinho.” Errol era um engenheiro particularmente talentoso que fizera uma pequena fortuna ao comprar uma mina de esmeraldas em Zâmbia. Não era uma riqueza institucional, corporativa. Muito das vendas de pedras eram feitas em dinheiro vivo, em situações pouco habituais. No fim da adolescência, os dois, pai e filho, estavam já rompidos. O jovem Elon Musk financiou o curso universitário. Mas a vida difícil também não durou muito. Sua primeira startup, um negócio chamado Zip2 que levantou com o irmão Kimbal, trouxe as antigas páginas amarelas para o mundo da internet. Musk tinha 27 anos, dormia no escritório e tomava banho na academia de ginástica, quando o vendeu em 1999 para a Compaq. Sua parte lhe permitiu botar no bolso US$ 22 milhões.

Todo o dinheiro ele colocou na X.com, um negócio que permitia fazer pagamentos por email. Como naquela virada do século havia outra startup no mesmo ramo, a Confinity, os investidores propuseram uma fusão. Em 2002, Elon Musk pôs no bolso US$ 176 milhões quando a PayPal foi vendida.

Foi um menino que lia. “Quando eu o levava para festas”, conta o pai, “e todo mundo estava se divertindo e bebendo e conversando sobre rugby ou outros esportes, eu ia procurar o Elon e o encontrava na biblioteca do anfitrião, folheando seus livros.” Gostava de ficção-científica e poucas obras o marcaram tanto quanto Fundação, a trilogia de Isaac Asimov sobre o matemático que antevê uma era de ocaso do Império Galáctico e sugere que se erga, num planeta perdido, uma colônia de pessoas particularmente inteligente que levem para lá uma biblioteca, o conhecimento adquirido pela civilização.

Este é o objetivo de sua empresa Space-X. Colonizar Marte para o caso de as mudanças climáticas tornarem inviável um dia a vida na Terra. A Tesla, que ajudou a fundar e da qual hoje é o principal acionista, tornou viável para o mundo o carro elétrico. E, por criar um mercado para eles, acelerou o desenvolvimento de baterias e motores que terminam por desenvolver tecnologia para as colônias marcianas. É o mesmo quando decidiu entrar no ramo dos tatuzões, que perfuram o subsolo para fazer túneis de metrô. Nenhum dos problemas de tecnologia que Musk encara são novos — foguetes, carros elétricos ou tatuzões. Mas em todos ele conseguiu simplificar a produção, baratear a construção, e tornar mais eficientes os equipamentos. Seus tatuzões são muito mais rápidos, seus foguetes os mais potentes e seguros jamais feitos, e os carros da Tesla tornaram pela primeira vez possível pensar numa indústria automotiva que não ameaça o futuro do planeta.

O Vale do Silício é um canto do mundo onde muita gente inova. Ninguém inova no ritmo de Elon Musk. Ele também gerencia muitas empresas grandes ao mesmo tempo. De acordo com o Wall Street Journal, muitos o pressionaram para que entrasse no ramo das redes sociais. A aquisição do Twitter não ocorreu como um gesto espontâneo. Uma destas pessoas foi Jack Dorsey, o ex-CEO e um dos fundadores da companhia. O mesmo Dorsey que já declarou em público que considera necessário mudar radicalmente os incentivos no algoritmo da plataforma.

Páginas amarelas, pagamento digital, carros sustentáveis, perfuração do subsolo e viagens para muito além da Terra. Não há indústria em que Musk tenha entrado que ele não tenha transformado radicalmente. Vive em casas emprestadas e inacreditavelmente modestas. Aos 50, teve três casamentos, dois deles com a mesma mulher, mais três relacionamentos longevos. Tem oito filhos — um deles morreu num acidente de carro do qual ele não participou, aos 10 meses. Não permite que qualquer uma das crianças tenha contato com o avô. Convive com os filhos todos. É um pai presente, daqueles que constantemente conversa atento. E nunca entrou em uma indústria na qual o negócio está ancorado na complexidade do comportamento humano.

Netflix e a "fadiga do streaming"

Você já se sentiu sobrecarregado com a quantidade de serviços de streaming para assistir a filmes e séries e, de repente, sentiu vontade de cancelar todos (ou quase todos)? Se a resposta foi “sim”, você provavelmente foi afetado pela “fadiga do streaming”. Em 2020, com a pandemia de covid-19 e as reuniões virtuais no home office, apareceu a “fadiga do Zoom”. Na mesma época, e até antes disso, especialistas começaram a detectar o excesso de serviços de streaming como um desafio a ser enfrentado pelo mercado num futuro próximo.

Na casa da advogada Patricia Antonucci, 42 anos, a situação é parecida com a de muitos consumidores. A família assina quatro plataformas de filmes e séries. Primeiro, veio a Netflix; depois, o Prime, da Amazon. “Também assinamos a HBO, por impulso, que passamos a usar com mais frequência”, conta a advogada. ”Chegamos a cogitar cancelar a Disney+, mas como a plataforma renovou o catálogo e o meu filho voltou a assistir, a gente manteve.”

Na semana passada, o balanço trimestral mais recente da Netflix revelou uma perda de 200 mil assinantes. Foi a primeira queda de clientes da plataforma em uma década, decepcionando o mercado financeiro e mexendo com a estratégia da empresa. Em comunicado, a Netflix justificou os resultados por fatores como o compartilhamento de contas entre usuários, a competição com outras plataformas e a pressão inflacionária intensificada pela pandemia e a guerra na Ucrânia.

Mas o pior está por vir: a companhia também projetou um encolhimento de 2 milhões de clientes para o próximo balanço. Atualmente, a Netflix tem 221,6 milhões de assinantes. Os resultados trimestrais da empresa também mostram um crescimento de 10% na receita, somando US$ 7.8 bilhões -- abaixo da expectativa de US$ 7,93 bilhões.

Segundo Ralf Germer, CEO da PagBrasil, fintech que atua no processamento de pagamentos para e-commerce, a sobrecarga de assinaturas de serviços de streaming vem sendo percebida principalmente nos Estados Unidos, mas já se reflete em outros países, como o Brasil. Dados da consultoria Deloitte mostram que, em 2022, pelo menos 150 milhões de assinaturas de serviços de streaming de vídeo serão cancelados em todo o mundo. Além disso, a taxa de rotatividade entre as plataformas deve chegar a 30% este ano, segundo a consultoria.

“As plataformas de streaming representaram um grande avanço na tecnologia. Hoje, é um mercado fadigado, com muita concorrência e muitas opções  para os usuários”, explica o CEO da PagBrasil. Para ele, isso pode indicar que mesmo plataformas já consolidadas no mercado não estão imunes aos cancelamentos.

Nos últimos anos, o mercado de mídia global vem passando pelo chamado “unbundling”, ou “desempacotamento”, que significa vender separados produtos que antes eram vendidos juntos. É um movimento cíclico. Quando o streaming surgiu, no final dos anos 2000, havia a promessa de desmembrar a programação “empacotada” da TV, oferecendo conteúdos específicos sob demanda. No momento seguinte, com o crescimento da oferta de conteúdo pelas plataformas, consumidores percebem que estão pagando por conteúdos a que não assistem. O que pretendia desempacotar a TV passa a entregar, justamente, pacotes. E, com a concorrência, o usuário passa a assinar não um, mas vários pacotes. Começa, então, o “unbundling”.

O mercado de streaming tem, agora, o desafio de repensar suas estratégias de preços e pacotes. Reed Hastings, CEO da Netflix, afirmou que a plataforma cogita oferecer preços mais baixos com anúncios “nos próximos um ou dois anos”, embora, historicamente, a empresa seja contra a publicidade na plataforma. A vice-presidente de conteúdo da Netflix Brasil, Elisabetta Zenatti, disse que a redução dos assinantes foi uma mistura de vários fatores, mas que “a queda não nos atinge”. “É um mercado que cresceu muito e que, com certeza, vai continuar crescendo. Acabamos de sair de uma pandemia, e há um reflexo disso ainda sendo sentido.”

Apesar da retração do streaming, existem outras formas de assinatura que estão em alta, reforça o CEO da PagBrasil. “Acredito que a economia da recorrência segue sendo tendência, mas muito mais voltada à recorrência de bens de consumo. Um exemplo disso é o crescimento do mercado de assinaturas no varejo e também no segmento de bebidas, como vinho e café, por exemplo.”

A saturação no mercado também aponta para outro fenômeno além da fadiga: o torrent ensaia um retorno. O excesso de serviços torna o mercado mais restritivo do ponto de vista financeiro e o usuário não tem como pagar por todos para assistir o que quer. Por isso, está voltando para sites de pirataria. Dados de um relatório da empresa de cibersegurança Akamai mostram que o acesso a sites de pirataria aumentou 16% em 2021, com o Brasil ficando em 5º lugar no ranking global de acessos. Mundialmente, foram 132 bilhões de visitas em serviços não licenciados nos primeiros nove meses do ano passado.

Os mais clicados da semana foram sobre plataformas sociais, seus compradores e criadores:

1. G1: O que os memes unem nem Elon Musk divide.

2. Orkut: Quem tem saudade dos scraps e das comunidades?

3. YouTube: Pedro+Cora - Precisamos aprender mais sobre segurança tecnológica.

4. G1: Morre Suzana Faini, atriz de “Top Model” e “Irmãos Coragem”.

5. Metrópoles: Ciro Gomes dá soco em bolsonarista em evento no interior de SP.

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24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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