O Judiciário no centro dos projetos de poder

No conflito com as cortes superiores, o que está em jogo são o controle da agenda pública, o acirramento da disputa, a polarização e o objetivo de controlar as instituições

Períodos pré-eleitorais, normalmente, são marcados por discussões sobre a situação econômica e social do país e por diferentes propostas sobre a maior ou menor presença do Estado, de como combater a pobreza, a inflação, o desemprego. Novas pautas, contudo, surgiram nos últimos anos, indicando mudanças. Temas considerados pacificados voltaram à tona, como o papel da ciência, a separação entre religião e estado, a inexistência de poder moderador no regime republicano, benefícios da educação presencial, universalização da saúde, benefícios da vacinação e imunização.

A nova agenda foi alimentada, em grande parte, por convicções anticientíficas e por projetos de concentração de poder. O negacionismo acabou por abarcar diversos temas, inclusive aqueles que sempre pareceram um ganho. Dentre eles, a eficiência de urnas eletrônicas e a confiança nos procedimentos e resultados eleitorais, conquistas reconhecidas até no exterior.

O atual presidente, candidato a um novo mandato, em campanha desde a posse, levantou suspeitas sobre os resultados da eleição de 2018, mesmo tendo saído vitorioso. Em uma série de manifestações, colocou em dúvida as urnas eletrônicas, depreciando o papel do Judiciário e incentivando ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). Embates entre os poderes foram marcados por discursos populistas, espalhando desinformação, incentivando os sentimentos antipolítica e a radicalização, corroendo a legitimidade das instituições e da ordem democrática.

A Justiça Eleitoral administra as eleições no país desde 1932 e representa um ponto de inflexão na história política brasileira. O contraste é radical com o período anterior. Vale citar o republicano Assis Brasil: “Ninguém tinha certeza de se fazer qualificar, como a de votar. Votando, ninguém tinha certeza de que lhe fosse contado o voto, ...contado o voto, ninguém tinha certeza de que o eleito seria reconhecido”. Nesses 90 anos, houve um extraordinário aperfeiçoamento nos procedimentos eleitorais, desde a garantia do voto secreto, passando pela inscrição do eleitor até a diplomação dos eleitos. A criação das urnas eletrônicas em 1996 são o melhor exemplo desse processo.

Repetidos testes, perícias e a presença de órgãos fiscalizadores constatando a inexistência de vulnerabilidades nas urnas não têm alterado narrativas sobre a possibilidade de manipulação de resultados. O conjunto de provas atesta que dados e a realidade pouco importam. O que está em jogo são o controle da agenda pública, o acirramento da disputa, a polarização e o objetivo de controlar as instituições.

Em fevereiro de 2022, o atual mandatário declarou que mais importante do que as próprias eleições seria a oportunidade de indicar dois ministros para o Supremo Tribunal Federal.

E acrescentou: “A gente está mudando, não dá para mudar de uma hora para a outra o curso de um transatlântico”, deixando claro que o controle da composição da Corte tem forte impacto em seus planos. Referia-se à abertura de duas vagas, devido à aposentadoria dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber em 2023.

Os atritos com o Judiciário, com agressões tanto ao Supremo como ao Tribunal Superior Eleitoral, dominam a estratégia eleitoral de Bolsonaro. Este ardil, entretanto, segundo revelam as pesquisas, não o tem ajudado a ganhar votos.

O Judiciário, por sua vez, tem exercido seu papel de contraponto às investidas contra a instituição e contra a democracia. É simbólica, nesse sentido, a fala do atual presidente do TSE, ministro Luiz Edson Fachin, no dia 12 de maio, afirmando que a Corte não se dobrará a quem quer que seja e que é a população desarmada quem trata das eleições, reiterando que o processo eleitoral no país é limpo e seguro e que a última palavra na Justiça Eleitoral é da Justiça Eleitoral.

Na mesma linha, o ministro Alexandre de Moraes, que presidirá as próximas eleições, sentenciou que a democracia será garantida com eleições limpas e urna eletrônica, e que “quem ganhar será diplomado nos termos constitucionais”. Quanto aos militares, sustentam os integrantes da Corte, participarão das eleições, como sempre o fizeram, isto é, na logística, cuidando da segurança das urnas e de comunidades com risco de violência.

O indiscutível protagonismo do Judiciário e sua atuação como freio a ameaças à democracia colocaram a instituição e seus integrantes na pauta. A possibilidade de o presidente, no próximo mandato, indicar dois ministros para o Supremo transformou essa prerrogativa em preciosa benesse, indicando o reconhecimento de que o Judiciário é peça central em projetos de poder.


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‘Mapa de apoios está desfavorável ao Irã e sua visão de futuro’, diz Abbas Milani

17/04/24 • 11:00

O professor Abbas Milani nasceu no Irã. Foi preso pelo regime do xá Reza Pahlavi. Depois, perseguido pelo regime islâmico do aiatolá Khomeini. Buscou abrigo nos Estados Unidos na década de 1980, de onde nunca deixou de lutar por uma democracia em seu país de origem. Chegou a prestar consultoria a George W. Bush e Barack Obama, numa louvável disposição de colaboração bipartidária. Seu conselho sempre foi o mesmo: o Irã deve se reencontrar com um regime democrático, secular, por sua própria conta. Sem interferências externas.

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