Edição de Sábado: Marcha lenta

Por Guilherme Werneck

Às 16h20 de hoje, um clamor reprimido desde o começo da pandemia do coronavírus em 2020 vai voltar a soar na avenida Paulista: “Ei, polícia, maconha é uma delícia” é grito de guerra a embalar a Marcha da Maconha, que vai sair do vão livre do Masp em direção à Praça da República em São Paulo.

Se seguir o roteiro das últimas marchas pré-pandemia na cidade, deve levar mais de 100 mil pessoas às ruas. Bem mais gente que as cerca de 500 pessoas que estiveram na primeira Marcha da Maconha brasileira, que saiu da igreja de Nossa Senhora da Paz e foi até o Posto 9, no Rio de Janeiro, ganhando os aplausos de uma Ipanema que ainda tinha alma boêmia em 2002.

Nesses 20 anos de marchas da maconha pelo país, as mudanças vão muito além do número de participantes. Em 2002, a luta contra a proibição da cannabis tinha uma perspectiva muito mais individualista. O que estava em jogo era o direito de cultivar e consumir a planta sem a intervenção repressora do Estado. O proibicionismo era a regra na maior parte dos países. Tirando a política de tolerância holandesa e os primeiros oito Estados norte-americanos a regulamentar o uso medicinal da planta, como a Califórnia, a pioneira em 1996, o ambiente mundial ainda era francamente favorável à proibição.

Mesmo as evidências científicas que seriam o alicerce para advogar a regulamentação da maconha medicinal ainda estavam em construção. Os estudos sobre o uso terapêutico da planta ganham força justamente nos anos 1990. Antes disso, a atuação pela legalização da maconha era difusa, impulsionada sobretudo por duas vias, a cultural — lembre que o clássico álbum Legalize It, de Peter Tosh, é de 1976 — e o ativismo por liberdades individuais, crescente a partir das ondas contraculturais dos anos 1960.

Não por acaso a inspiração para a primeira marcha nacional vem do movimento criado por uma figura que vem da contracultura norte-americana. Em maio de 1999, o ativista Dana Beal é o principal articulador da primeira mobilização para a liberação da maconha medicinal, a Global Marijuana March.

Conforme a marcha cresce, também se multiplicam as pautas levantadas pelos participantes. Aos cultivadores e entusiastas da legalização social se somam outros grupos que acabam formando blocos dentro do movimento: o das mães de pacientes que precisam de tratamento com maconha, a luta antimanicomial e contra internação compulsória de usuários problemáticos de drogas, os defensores de direitos humanos contrários à guerra às drogas, a turma dos psicodélicos.

É por essa razão que qualquer discussão que se faça sobre drogas no país tem necessariamente de levar em conta as mobilizações das marchas nas diferentes cidades brasileiras. Muito da pressão sobre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo nasce dos diálogos iniciados a partir do encontro desses grupos diversos, e da formulação conjunta de propostas de políticas públicas a partir de um viés antiproibicionista.

Nesse ponto vale entender um pouco da história da própria marcha, ela em si um laboratório de exercício de liberdades. Depois da primeira marcha em 2002, os primeiros anos foram um pouco erráticos, com as manifestações concentradas no Rio de Janeiro, com pouca adesão e um bocado de medo. Os cultivadores eram os que estavam à frente, sobretudo a turma do Growroom.

Um ano de virada é 2008. Os organizadores da pioneira marcha carioca criam uma cartilha para ensinar interessados a fazer réplicas. Nove capitais resolvem criar suas manifestações. Alguns ativistas são presos distribuindo filipetas: Alessandra Brum, Renato Cinco, William Lantelme Filho, Renato Cinco, Raoni Ferreira e Flavio Ferreira. Chamado para soltá-los, o advogado André Barros percebe o quanto a marcha era informal e começa a ajudar na organização, sobretudo na mediação com o poder público, com ofícios avisando a polícia.

São Paulo e outras 9 capitais têm as marchas proibidas naquele ano. Em São Paulo, cerca de 300 pessoas chegaram a se reunir no parque Ibirapuera. Um toque surrealista à brasileira é que, para não cair no crime de apologia às drogas, não se podia nem escrever a palavra maconha nos cartazes e nem falá-la. Desnecessário dizer que naquele ano pediu-se muito a legalização da pamonha.

Nos anos seguintes, a luta passou a ser também pela liberação das marchas. O mesmo roteiro se repetia. Na madrugada da sexta-feira que precedia os manifestos, o Ministério Público entrava com uma ação para impedir sua saída. Juízes concediam decisões liminares. As marchas eram proibidas e havia repressão policial. Em São Paulo, os organizadores da Marcha da Maconha e do Coletivo Dar (Desentorpecendo a Razão) seguiram se reunindo no Ibirapuera apesar da proibição. Mas eram pequenas manifestações sem sair do lugar. A maior foi em 2010, quando realmente as pessoas se deslocaram pela primeira vez. O mote do ano, claro, era a liberdade de expressão.

A trincheira do Supremo

Esse cenário só vai mudar em 2011. A partir de uma representação feita por André Barros, Renato Cinco e Gerardo Xavier Santiago, a Procuradoria-Geral da União move duas ações: a Ação de Descumprimento de Princípio Fundamental (ADPF) 187, que argumentava que proibir a marcha feria o direito de reunião e à livre expressão do pensamento, e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4274 que questionava a acusação de apologia ao uso de drogas.

Em maio de 2011, a Marcha da Maconha de São Paulo reuniu o maior número de participantes até então, cerca de 2 mil pessoas na Avenida Paulista. Mas, proibida por liminar, sofreu uma brutal represália policial. A repercussão acelerou os dois processos, e o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito da marcha nas duas ações.

É nesse ponto que as marchas realmente crescem para tomar o volume que têm hoje. Em 2013, pela primeira vez é criado o bloco das mães de pacientes. De certa forma, a chegada dessas mães passa a apontar outros caminhos. Também nessa época começam a chegar os coletivos periféricos, e a marcha se torna essa grande vitrine de um pensamento plural e modernizador em relação à política de drogas. É possível dizer que praticamente todos os avanços conquistados em relação à maconha no país se dão a partir desse encontro na rua.

E a verdade é que mesmo com a pressão das ruas, esse é um assunto que passou ao largo da política tradicional. Tirando algumas exceções, como o deputado Paulo Teixeira, do PT, que presidiu a comissão especial da Câmara no projeto de lei 399/15, sobre a regulamentação da maconha medicinal e sempre nas marchas de São Paulo, e de políticos que se formaram na marcha, como os cariocas Renato Cinco e André Barros,  do PSOL, o assunto sempre foi escantilhado, mesmo antes desse reacionarismo capitaneado por Jair Bolsonaro e pelas bases religiosas do país. Lula e Dilma poderiam ter pautado a descriminalização, mas nunca se aproximaram do tema. A caretice, mostra a prática, é supraideológica.

Aí é o ponto de perguntar se realmente avançamos, quais são esses movimentos e o qual é o caminho em direção à legalização do uso medicinal e social da maconha no Brasil.

Em 2013 acontece em Brasília o Congresso Internacional Sobre Drogas (CID). O objetivo é qualificar o debate sobre a questão de drogas a partir de evidências científicas. Médicos, cientistas sociais, juristas e ativistas redigiram um documento em que defendiam que não há evidência médica, científica, jurídica, econômica e policial para a proibição. Filhote do CID, em 2015 é criada a Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), reunindo mais de 50 organizações e coletivos.

De certa maneira, é um complemento à marcha, que consegue articular com mais profundidade que tipo de regulação se busca para a questão das drogas, incidindo principalmente sobre o Legislativo e o Judiciário.

Mas a verdade é que as principais batalhas vencidas para que cheguemos ao ponto em que estamos hoje, em que é possível importar óleos canábicos, comprar remédios à base de maconha nas farmácias e ter o direito de plantar para fins medicinais aconteceram por meio do Judiciário. Lentamente.

Enquanto o Uruguai legalizava a maconha em 2013, ainda estávamos discutindo a descriminalização do porte, em uma ação que teve sua votação iniciada em 2015 no Supremo Tribunal Federal. Três ministros haviam votado favoravelmente à descriminalização do porte quando o ministro Teori Zavaski pediu vista. Ele morreu em 2017 sem dar seu voto. A ação foi distribuída para o ministro Alexandre de Moraes e não se sabe quando volta ao plenário do STF. Considerando o clima político de hoje, e as relações entre o ministro e o presidente Jair Bolsonaro, pode-se especular que a matéria não volte à pauta antes das eleições.

No Congresso, tramita a passos lentos o Projeto de Lei 399/15 que regulamenta o cultivo da maconha para fins medicinais, embora já tenha sido aprovado pela comissão especial que o analisou. Por outro lado, em 2019 a Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a regulamentação do registro e da venda de medicamentos a base de maconha no país. Mas o plantio para pesquisa e produção de medicamentos segue proibido pela agência.

Ou seja, mesmo com os ventos tendo mudado externamente em relação à maconha medicinal e até ao uso recreativo, o Brasil, que tem as melhores condições climáticas para o plantio da maconha, segue intransigente na questão do cultivo, tendo de importar medicamentos.

Dois problemas aí. O alto custo, inclusive para o governo, já que alguns medicamentos devem ser distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e a impossibilidade de avançar nas pesquisas. Há ainda a concentração em empresas, quando em boa parte dos países que reconhecem as qualidades medicinais da maconha se permite o autocultivo.

Parece um contrassenso neste 2022 em que temos Uruguai e Canadá com a maconha legalizada, e 21 estados nos EUA liberam o uso recreacional da planta.

Essa realidade, contudo, vem sendo revertida pela atuação ativista dos advogados, que têm obtido na Justiça habeas corpus para a plantação para fins medicinais. Mas é sempre um tipo de decisão que traz em si um bocado de insegurança jurídica.

Ilegal para quem?

Existe uma outra questão relacionada à regulamentação da maconha que não pode ser deixada de lado: o insustentável cenário da guerra às drogas, que afeta desproporcionalmente uma parcela grande da população. Segundo dados de 2020 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 20,28% da população carcerária do país respondia por crimes relacionados à Lei de Drogas. E do total de encarcerados, 66,7% eram pretos ou pardos.

Também nas ações policiais sabemos quem é mais atingido. Em 2019, foram registradas mais de 6 mil mortes decorrentes de intervenções policiais – e mais de 70% das pessoas assassinadas por agentes públicos naquele ano tinham até 29 anos e cerca de 80% eram pessoas negras, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A realidade é que quem conhece bem política de drogas afirma que a legalização é só uma questão de quando, mas é preciso que junto venha uma regulamentação que leve em conta reparações a essa população que é mais atingida pela guerra.

E já há iniciativas nesse sentido. O Estado de Nova York, que permite a posse para fins recreativos, aprovou no ano passado legislação que prevê que 40% dos impostos arrecadados com a venda de maconha seja investido em comunidades negras e latinas, como forma de reparação.

Não por acaso, a reparação é um dos nortes da marcha de hoje em São Paulo.

Para ler com calma. Reparação Racial como Resposta à Política de Guerra às Drogas, artigo elaborado por pesquisadores do Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo), mostra que enquanto o debate internacional sobre regulamentação caminha para olhar a questão de como a violência atinge desproporcionalmente perfis raciais diferentes, o Brasil não consegue nem sequer regulamentar a maconha medicinal. Provocar é preciso, e a pesquisadora Monique Prado defende que a voz do tráfico tem de ser ouvida na regulamentação das drogas em um dos quatro artigos da edição temática da revista Platô sobre desigualdades raciais brasileiras e política de drogas. Agora para saber tudo sobre a maconha medicinal desde a China de 2900 anos antes de Cristo até hoje vale conferir essa linha do tempo.

A Nova Direita americana — mais perigosa, menos conspiracionista

Na noite de quinta-feira, as três grandes redes de TV americanas e os principais canais de notícias — exceção da FoxNews — transmitiram ao vivo a primeira sessão da Comissão Parlamentar que investigou o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. A audiência foi grande, 20 milhões de pessoas, e a conclusão dos deputados é dura. Eles defendem, a partir da análise de depoimentos e muitos vídeos, que o ex-presidente Donald Trump incentivou, conscientemente, uma tentativa de golpe de Estado. A primeira desde que George Washington tomou posse como presidente, em 1789. Não está claro se a CPI terá alguma consequência — dela só faz parte uma deputada republicana, Liz Cheney, filha do ex-vice-presidente Dick Cheney e um dos raros nomes no partido que se convenceu de que há uma ameaça à Democracia dos Estados Unidos. E, enquanto isso, a direita radical americana segue se desenvolvendo, segue autoritária, segue populista — mas está perdendo os traços conspiratórios e paranoides. Tem dinheiro em caixa. Está mais influente.

No centro desta Nova Direita estão três jovens intelectuais, dois deles na disputa por cadeiras no Senado. Um, o mais conhecido, é J. D. Vance, de 37 anos, autor de um livro de memórias particularmente sensível chamado Hillbilly Elegy, tornado filme da Netflix em 2020 (Assista.) Pelo desempenho em um dos papeis, Glenn Close foi indicada ao Oscar. O outro é Blake Masters, de 35 anos, um advogado que passou por Stanford e Duke. Vance quer se candidatar por Ohio, Masters pelo Arizona, e ambos têm o apoio de Trump. Devem ser os candidatos republicanos. Aos dois se junta Curtis Yarvin, um blogueiro de 48 anos, que sequer se descreve como conservador. Prefere o termo reacionário. É imensamente influente. Estudou na Johns Hopkins, fez o mestrado em Brown e é doutor em Ciência da Computação por Berkeley. Os três são ligados a Peter Thiel, fundador do PayPal, que de libertário nos últimos anos vem migrando para posições que descreve como mais nacionalistas e populistas. (Thiel, aliás, um dos principais amigos de Elon Musk.)

A ideia de mundo que os três defendem parte da oposição ao que chamam de otimismo liberal — a de que o progresso tecnológico e científico inevitavelmente tornam o mundo melhor. Eles discordam. Suas influências intelectuais são diversas. Passa pelos Jacobitas, um grupo reacionário que defendia o retorno da Casa Stuart e do absolutismo ao trono inglês, nos séculos 17 e 18. Inclui críticos do pensador marxista italiano Antonio Gramsci — eles falam de marxismo cultural como Olavo de Carvalho falava. Entra no jogo, até, Ted Kacynski, o terrorista anti-tecnologia que nos anos 1990 ganhou o apelido de Unabomber.

Yarvin defende que existe um regime não confesso que domina os Estados Unidos. Ele o chama de a Catedral — reúne, em essência, as principais universidades e a imprensa tradicional. “Essa pseudo estrutura tem uma doutrina e uma perspectiva”, ele escreveu. “Ela sempre concorda consigo mesma. Mas não é estática, evolui de forma previsível.” No centro da ideia está o conceito de que uma elite foi beneficiada pela globalização, pelo desenvolvimento de uma economia ancorada no sistema financeiro e no poder crescente das companhias de alta tecnologia. O jogo não é combinado, mas tanto nas universidades quanto no jornalismo quem produz informação sempre defende este sistema. Um sistema que, na visão desses pensadores, opera contra os interesses do americano médio.

Não se trata de uma teoria conspiratória — nenhum deles acredita que exista algo combinado, planejado. Como marxistas, defendem que existe uma luta de classes em curso. Também como marxistas, defendem que o regime democrático beneficia essa elite. Mas, diferentemente de marxistas, acreditam que a solução passa por um líder forte. Há alguns anos, Yarvin usava o termo ditador no sentido romano da palavra. Mais recentemente tem evitado — choca. A ideia de um chefe de Estado nacionalista, antenado aos interesses populares, e que com braço forte reorganiza o governo eles continuam defendendo. Embora tenham o apoio de Trump, consideram Trump útil, mas não o melhor representante para suas ideias.

Benito Mussolini os compreenderia.

Na edição de maio da Vanity Fair, o jornalista James Pogue mergulhou no mundo da Nova Direita americana. Está viva e crescente.

Quem mexeu no meu queijo?

Se o cineasta norte-americano Joe Johnston dirigisse, em 2022, uma nova versão do clássico Querida, Encolhi as Crianças (1989) e o filme tivesse como cenário o Brasil, o longa poderia ser chamado de Querida, Encolhi os Produtos. A cada ida ao supermercado, consumidores têm notado uma redução na quantidade de conteúdo das embalagens e até mudanças nos ingredientes de itens alimentícios. Parece que produtos básicos presentes na casa do brasileiro entraram na máquina do cientista Wayne Szalinski e saíram pequeninos, assim como os filhos do personagem interpretado por Rick Moranis.

A diferença seria o gênero. O cenário econômico não é nada cômico. O fantasma da inflação de dois dígitos vem provocando alta nos preços de alimentos e em outros produtos de consumo, esmagando o orçamento dos lares brasileiros e gerando a chamada reduflação, que vem causando espanto naqueles que param para ler os rótulos.

Reduflação é a tática da indústria que consiste em reduzir a quantidade dos produtos nas embalagens com o objetivo de não aumentar os preços. O fenômeno pode ser visto no sabão em pó, por exemplo, encontrado antes por 1kg, mas agora vendido com 800 gramas. A caixa de fósforos perdeu 40 palitos, reduzida a 200 unidades. O sabonete ganhou um “buraco” no meio, não para acoplar e facilitar o reaproveitamento do sabonete já usado e pequeno, como aventado num popular meme da semana passada, mas para diminuir o peso. Biscoitos, amendoins e refrigerantes de marcas famosas também encolheram.

Cerca de 80% dos consumidores perceberam mudanças no tamanho ou no peso de embalagens, segundo uma pesquisa do instituto Reclame Aqui feita para a agência de notícias Reuters em maio deste ano, com 6.665 entrevistados.

“A reduflação é um instrumento bastante conhecido e é mais empregado em momentos como este que estamos vivendo, em que há uma pressão de custo muito forte na matéria-prima usada pelas indústrias para fabricação dos produtos e, ao mesmo tempo, a renda das famílias com dificuldade de expansão”, explica a economista Thaís Zara, da LCA Consultores.

Com os insumos mais caros, como grãos, por exemplo, a indústria também sente os efeitos da inflação. A partir daí, há dois caminhos: ou o aumento é repassado e o produto fica mais caro ou se reduz um pouco a embalagem. “Se uma embalagem de 800g passa de R$ 5 para R$ 7, ela pode deixar de caber no bolso das pessoas. Se você reduzir um pouco a embalagem e mantiver o preço, o consumidor pode até reclamar, mas tem mais chances de continuar consumindo aquele produto”, ressalta Thaís.

Apesar de não ser um fenômeno novo, a reduflação é alvo de um aumento nas queixas em órgãos de proteção e marcas vêm sendo “canceladas” nas redes sociais. De janeiro a abril de 2020, 70 reclamações sobre divergência de peso, volume e quantidade de produtos foram feitas pelo site consumidor.gov.br. No mesmo período deste ano, houve um salto de 165% nos relatos desse tipo. Os dados são da Secretaria Nacional do Consumidor, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

“Quando esse fenômeno está mais difundido, acaba chamando mais a atenção. Várias marcas estão lançando mão desse mesmo instrumento e acaba se tornando mais perceptível”, coloca a economista.

Leite derramado

Estampadas em fotos e em memes no Twitter e no Instagram, consumidores reclamam de propaganda enganosa por parte das empresas e de uma piora na qualidade dos produtos por conta da mudança de ingredientes. Nos últimos dias, reverberou pela internet uma “nova versão” do tradicional Leite Moça e sobrou até para o brigadeiro, patrimônio nacional. O produto diz, na embalagem, ser uma “mistura láctea condensada de leite, soro de leite e amido”. Já o leite condensado original da marca, fabricado há mais de 100 anos pela Nestlé, é composto apenas por leite integral, açúcar e lactose, de acordo com o próprio site da empresa.

O problema é que os rótulos das duas versões do produto — a mistura láctea e o condensado original — são muito semelhantes, apesar da composição não ser a mesma. E, segundo relatos de quem utilizou a mistura láctea, o docinho e outras guloseimas não ficaram com a mesma qualidade e consistência.
A Nestlé nega e diz que a mistura láctea “torna-se uma opção para os consumidores que buscam soluções com menor desembolso, sem abrir mão do resultado”, diz em nota publicada pelo UOL. E garante aos clientes fiéis do Leite Moça que o produto tradicional segue sendo produzido.

“O que é importante é a informação clara, para dar justamente o direito ao consumidor de avaliar a conveniência ou não na aquisição daquele produto. O consumidor não pode ser induzido ao erro”, pondera Cláudio Pires Ferreira, advogado especialista em direito do consumidor.

Nos grupos de pais e mães, a polêmica foi “compostos lácteos versus fórmulas infantis”. Latas dos dois produtos, bem diferentes na sua composição, podem ser encontradas nos supermercados lado a lado com embalagens de mesma cor e com igual tipografia, o que fez o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entrar com uma ação civil pública na Justiça contra a Nestlé, a Danone e a Mead Johnson Brasil. O órgão diz que as empresas estão confundindo pais e mães de bebês na hora da compra e alerta que o Ministério da Saúde contraindica o consumo de compostos lácteos por menores de dois anos de idade.

“Fórmulas infantis servem para substituir, total ou parcialmente, o leite materno ou humano, quando há necessidade. Compostos lácteos, por sua vez, são alimentos ultraprocessados, cuja composição deve apresentar no mínimo 51% de ingredientes lácteos, enquanto os demais 49% podem variar, por exemplo, entre óleos vegetais, óleos de peixe, canola, soja, açúcar, leite constituído e substâncias que melhoram a palatabilidade”, diz o Idec.

A economista Thaís Zara pondera que, nesses casos, pode haver o componente de restrição de oferta. “A empresa pode não estar conseguindo encontrar matéria-prima e acaba substituindo por outra. Pode ser tanto pela ausência quanto por questão de custo mesmo”, afirma. As três empresas alegaram à Folha de S. Paulo respeitar a legislação brasileira e os padrões de ética e qualidade, mas não comentaram sobre o caso ter sido alvo de denúncias.

A regra é clara

Segundo o Ministério da Justiça, a reduflação nos produtos não é uma prática ilegal. “Em setores competitivos e sem falhas de mercado, como costuma ser o caso do varejo de alimentos, o natural é que o mercado se ajuste às condições de oferta e demanda”, diz a pasta em nota. Porém, quem for fazer a compra precisa ter a informação clara na sua frente, sem letras miúdas.

Uma portaria nacional, publicada em setembro de 2021, atualizou as regras que precisam ser seguidas pelas empresas. Diz a normativa que os produtos com redução de peso precisam mostrar as alterações na parte frontal do rótulo. Com cores contrastantes e de fácil leitura, a empresa é obrigada a colocar qual era a quantidade anterior e quanto foi reduzido. Além disso, as informações precisam constar nas embalagens por pelo menos seis meses — até o ano passado, o prazo mínimo era de três meses.

“Não há nenhuma intervenção em como determinada indústria vai vender determinado produto. Isso é uma liberdade da empresa. O que nos faz ficar atentos é que essa informação tem de ser clara, precisa e ostensiva. O que o consumidor tem se queixado é da ausência da informação para que ele possa avaliar a relação custo-beneficio daquele produto”, explica o advogado Cláudio Pires Ferreira.

Conforme Ferreira, o consumidor que notar que a embalagem não traz a informação clara, ou perceber abuso nos preços, pode fazer a denúncia em órgãos de proteção. Em 2022, até abril, as 968 unidades dos Procons existentes no País registraram 892 queixas relacionadas ao tamanho de produtos — um aumento de 46% em relação ao mesmo período do ano passado. A indústria pode ser multada se constatada as irregularidades a partir do olhar atento dos frequentadores de supermercado.

Tem hora que só um bom macarrão mesmo para nos dar conforto e coragem. Esses foram os links os mais clicados pelos nossos leitores:

1. Panelinha: Menos é mais: macarrão rústico com tomates e manjericão.
2. Amazon: Produtos com Alexa em promoção.
3. YouTube: Kate Bush de volta às paradas.
4. NYTimes: Uma linha do tempo do 6 de janeiro de 2021.
5. Embratel: Três formas de não perder seu emprego para a inteligência artificial.

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‘Mapa de apoios está desfavorável ao Irã e sua visão de futuro’, diz Abbas Milani

17/04/24 • 11:00

O professor Abbas Milani nasceu no Irã. Foi preso pelo regime do xá Reza Pahlavi. Depois, perseguido pelo regime islâmico do aiatolá Khomeini. Buscou abrigo nos Estados Unidos na década de 1980, de onde nunca deixou de lutar por uma democracia em seu país de origem. Chegou a prestar consultoria a George W. Bush e Barack Obama, numa louvável disposição de colaboração bipartidária. Seu conselho sempre foi o mesmo: o Irã deve se reencontrar com um regime democrático, secular, por sua própria conta. Sem interferências externas.

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