Edição de Sábado: Planeta plástico

O mundo estava envaidecido com sua própria capacidade. Numa exibição internacional, num palácio de vidro e ferro com mais de 13 quilômetros de galerias no Hyde Park, em Londres, a humanidade celebrava suas mais recentes descobertas tecnológicas. Prensas hidráulicas, borracha indiana, a glorificação da Revolução Industrial. Esse era o clima no Crystal Palace em 1851, no evento que foi batizado de “A Grande Exposição das Obras da Indústria de Todas as Nações”. Mais de 6 milhões de pessoas compareceram ao palácio e testemunharam o nascimento do mundo moderno. Dentre elas, alguns nomes conhecidos como Charles Dickens, Charles Darwin, Karl Marx e Michael Faraday. O evento foi idealizado pelo Príncipe Albert, marido da Rainha Vitória, e foi inspirado nas exibições de Paris de 1798 e 1849. A rivalidade franco-inglesa se impôs e as exibições passaram a se alternar. Londres fez o Crystal Palace? Paris, em 1855, realizou a Exposição Universal na Champs-Élysées no Palácio Industrial. Para a Exposição Universal de 1862, os britânicos levantaram 12 mil toneladas de aço para a construção do que é hoje o Museu de História Natural.

A primeira tecnologia fotográfica, o daguerreótipo, estava na exibição de 1851. Na de 1862, quem brilhou foi a parkesina. Inventada pelo britânico Alexander Parkes e feita de celulose, a parkesina foi a precursora do plástico. A descrição da palavra plástico era “uma substância moldável tal qual argila”. Por mais que Parkes tenha comercializado o material como uma forma de fazer botões, cabos de guarda-chuva e até como insulação de cabos, a invenção não foi um sucesso, porque os objetos perdiam a forma com o calor. Mas estava ali o ponto de partida para o desenvolvimento do plástico e de suas aplicações. Na Segunda Guerra Mundial, em 1945, o plástico já havia se tornado inevitável. Imprescindível. Mais ainda, desejável.

Pelo menos na visão de determinismo tecnológico predominante na época, aquela que associava qualquer inovação à evolução, como se a humanidade estivesse destinada a melhorar — e a tecnologia fosse prova disso. “Por muito tempo, acreditou-se que as tecnologias europeias eram simplesmente superiores, e que a evolução da humanidade acontece de forma linear. Isso é herança intelectual do século XIX e é uma ideia bastante contestada pela antropologia moderna”, explica Marko Monteiro, antropólogo e professor do departamento de política científica e tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp. “O conceito de evolução depende muito da régua. A organização social que revolve na urbanização, no petróleo, no plástico não é a única forma de viver no planeta. E provavelmente não é a melhor.” Plástico foi, por décadas, sinônimo de progresso, braços dados com o consumo desenfreado. A ponto de, agora, estarmos nos afogando nele.

O mundo macro

A sociedade moderna urbana escolheu se plastificar. A versatilidade do material, a possibilidade de esterilizá-lo, a leveza... Aos poucos, o plástico foi se tornando onipresente e até um indício de status. O ano de 1946 é simbólico. No Brasil, com Gaspar Dutra na Presidência, há um alinhamento com os Estados Unidos e a adoção de uma política liberal, abrindo o país para a importação de bens supérfluos, como brinquedos plásticos e meias de nylon. No mesmo ano, o químico Earl Tupper inventa o tupperware, os potinhos que transformam a maneira como se armazenam alimentos.

O tupperware é um exemplo completo de como uma sociedade pode fazer uma opção conjunta por uma tecnologia e atribuir a ela significados que vão além de seu uso prático. As “festas do tupperware” se tornaram um grande acontecimento social dos anos 1950 e 1960 — e perduraram ainda pelo menos até os anos 1980 no Brasil. Nos EUA, as mulheres que voltaram a ficar restritas às atividades domésticas no pós-guerra, conforme seus maridos voltavam para casa e passavam a reocupar os postos de trabalho, encontraram na venda dos recipientes uma maneira de se manter ativas econômica e socialmente. Ter um jogo de tupperware no armário representava que aquela família estava antenada ao que havia de mais moderno. “Essa é uma concepção atual da antropologia no que diz respeito à ciência. A gente produz tecnologia e é produzido por ela. É uma coprodução”, diz Monteiro.

O plástico é mais que um conceito. É matéria. E é matéria derivada da destilação do petróleo nas refinarias. Feito a partir do craqueamento térmico da nafta, que forma o etileno e o propileno, o material passa por um novo processo de refinamento e vira petroquímicos finos, como polietileno, policloreto de vinila, polipropileno, etc. O polietileno (PE) foi criado para insular cabos de radares durante a Primeira Guerra Mundial, na Inglaterra. O pouco peso do plástico permitiu que os aviões ingleses tivessem uma vantagem significativa sobre os alemães. Pouco a pouco mais polímeros foram criados, sendo modelados cada vez mais para a nossa necessidade. Hoje, o PE é usado para embalagens (de sabão a bolachas) e sacos plásticos. O PVC, para construções; o polipropileno, para copos descartáveis; o poliestireno (isopor), para tampas e tubos de ensaio. Há ainda o policarbonato, o acrílico, o acetal, o ácido polilático, o ABS e o nylon, que é usado não só em cordas e fios, mas nas nossas roupas. Poliéster e poliamida também são comuns em roupas para esporte e em toda indústria da moda, principalmente no fast fashion.

O plástico mudou tudo. Mas há cerca de duas décadas, conforme foi ficando mais clara a ameaça climática, um questionamento sobre a ação humana nela foi inevitável. O excesso do uso de combustível fóssil foi o primeiro diagnóstico. Depois, os excessos em geral foram contestados. A tal co-produção a que a antropologia se refere se materializou mais uma vez: cientistas passaram a examinar os efeitos desses excessos. E as evidências começaram a aparecer, gerando um recuo.

Até meados da década de 1970, fraldas eram de pano e mamadeiras, de vidro. A utilização do bisfenol-A (BPA) nas mamadeiras de plástico foi banida pela Anvisa em 2011, por indícios de que o material está relacionado a mudanças hormonais e algumas formas de câncer. Quando 92% da população americana apresentou níveis de BPA na urina, num levantamento da vigilância epidemiológica dos Estados Unidos, seu uso foi globalmente repensado.

A dependência do plástico pela sociedade urbana capitalista está sendo revista. Mas a pandemia da Covid-19 mostrou como não é tarefa fácil substituí-lo. Sem contar as embalagens descartáveis do delivery a que tanto recorremos, é virtualmente impossível um ambiente hospitalar sem seringas, luvas, aventais e máscaras — todos com alguma dose de plástico em sua composição. Durante a pandemia, usamos cerca de 129 bilhões de máscaras, a maioria descartáveis, por mês. Só em 2020, 1,6 bilhão delas foram parar nos oceanos, gerando 5,5 toneladas de poluição. Todo esse material está no caminho de se tornar microplásticos.

O mundo micro

Existem dois tipos de microplásticos, partículas plásticas inferiores a 5 milímetros. Os primários são fabricados nesse formato. Um exemplo são as microesferas adicionadas a alguns cosméticos, como esfoliantes faciais e pastas de dente. Os secundários vêm da degradação dos macroplásticos, a partir da oxidação pela luz e da decomposição biológica. Com o tempo, uma sacola plástica se transforma numa nuvem de micro e nanopartículas de plásticos nos mares e solos. Os secundários constituem a maior parte da poluição nos oceanos.

“Nos rios, na atmosfera, na neve, nas profundezas do oceano, no Everest, nos humanos. Todas as amostras continham microplásticos”, conta Stefan Krause, pesquisador da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Krause faz parte de uma equipe de 40 cientistas interdisciplinares, que pesquisa o microplástico em culturas de dáfnias, as pulgas d’água. A escolha desse animal, comenta o professor, passa por ele estar na base de uma cadeia alimentar. Mas vai além e resvala na importância de sensibilização de quem acompanha o estudo. Na percepção social. Por serem animais transparentes, o microplástico tingido é visível dentro das pulgas d'água. “Assim como colocamos adesivos de advertência em pacotes de cigarro, mostrando câncer de pulmão, precisamos que as pessoas enxerguem o tamanho do problema do microplástico.”

Cientistas poderiam, no entanto, estudar dezenas de outras espécies. E estudam. Marcelo de Oliveira Soares, doutor em Geociências, explica. “São 24,4 trilhões de partículas de microplástico no oceano. Isso é o equivalente a 30 bilhões de garrafas plásticas de 500ml. Em torno de 55% dos peixes estão contaminados em Fortaleza. Chegou na nossa comida e na gente também.” São mais de mil espécies contaminadas por microplásticos, dentre plânctons e corais. Seres humanos inclusos. Na nossa rede sanguínea, na placenta de mulheres grávidas, no pulmão já foi documentada a descoberta do microplástico. Os estudos sobre a toxicidade das partículas ainda são novos, não conseguem comprovar se são inflamatórias ou danosas. Apenas apontam que sim, estamos ingerindo e inalando plástico.

O nosso corpo

Por ingestão ou por vias aéreas, o corpo humano se contamina com microplásticos. Inalando o pó das cidades, lavando roupas sintéticas, manuseando os objetos da nossa casa, como o papel plástico para embrulhar e guardar comida. Tomando leite, usando sal, comendo peixes, carne. Bebendo água. Independente da sua escolha alimentar, mesmo com a ingestão vegana e 100% de orgânicos, a exposição ainda acontece. E os estudos que mapeiam as diversas maneiras de “infecção” não apontam quais as atividades de maior risco. “Precisamos estar cientes de que é um problema semelhante ao da mudança climática. Não entendemos ainda todos os impactos, mas é um problema urgente de consumo e descarte, da cadeia produtiva”, diz o pesquisador Marcelo Soares.

É difícil imaginar, porém, que microplástico dentro do nosso organismo não seja nocivo, no mínimo. Um estudo do departamento de patologia da USP, liderado por Luís Amato-Lourenço, foi pioneiro em mostrar essas partículas nos pulmões. Foram encontrados microplásticos com menos de 16,8 micrômetros (1 micrômetro equivale a 0,001 mm) em 13 das 20 peças de tecido pulmonar coletadas em biópsias de pessoas que haviam morado em São Paulo. Os polímeros mais determinados foram o polietileno e o polipropileno. E, considerando o tamanho dos microplásticos achados, o estudo sugere potencial patogênico, porque as fibras podem alcançar os alvéolos pulmonares.Mas a mera coleta desse material já revela o imenso desafio de um caminho para uma vida menos plástica. Para garantir a qualidade dos resultados, o ambiente precisava estar 100% livre de plásticos — em qualquer de suas formas. Os materiais usados para as autópsias foram lavados três vezes com água Milli-Q. Todos os vidros foram limpos com solução de ácido nítrico. Os materiais foram cobertos de papel alumínio para evitar a contaminação pelo ar. Os jalecos eram 100% algodão e as luvas, de nitrilo.

pesquisas apontando que ingerimos 5 gramas de microplásticos por semana. Outras, mais conservadoras, falam que é um cartão de crédito por ano. A ideia de se comer cartão de crédito em qualquer quantidade, no entanto, já não é lá muito bem-vinda. Mas comemos porque os microplásticos estão espalhados pela nossa cadeia alimentar. Partículas de plástico foram encontradas em 75% das amostras de carne de porco e de carne bovina nos Países Baixos. Além de estudar pulgas d'água, Stefan Krause pesquisa minhocas, analisando como esses animais servem de agentes de translocação, transportando micropartículas da superfície para o solo. Na água do litoral do Ceará até o Maranhão, por 600km, Marcelo Soares coletou amostras e em todas havia microplásticos.

Livrar o planeta das partículas também soa impossível, mesmo com programas para recolher resíduos em todo canto. “Limpar macroplásticos é extremamente ineficiente. Sim, há o lado positivo de que se cria e traz consciência para o problema, mas essas limpezas não diminuem nem uma porcentagem do problema e ainda gastam muita energia. Não podemos banir plásticos, a saúde pública depende desse material. Precisamos de mais regulações globais sobre plásticos”, defende Krause.

Em uma única frase, o pesquisador condensou boa parte do dilema atual com o material. Os esforços individuais, por louváveis e necessários que sejam, são insuficientes. É preciso que o problema se torne visível para gente o bastante para que o coletivo se mobilize. E microplásticos são invisíveis. Diferentemente da mudança climática, já bastante palpável. A onda de calor que varre a Europa este ano já matou mais de 1.900 pessoas. As chuvas de 2022, no Brasil, já fizeram 457 vítimas. O país viveu sua pior seca no ano passado. O tempo, a chuva, enchentes e a seca geram imagens dramáticas. “A tecnologia não é uma coisa a parte das pessoas, das instituições. Em outros tipos de sociedade, o plástico não faz qualquer sentido. Na década de 1960, a imagem coletiva de futuro era entusiasta do plástico. Hoje, temos outras visões de futuro fazendo parte da nossa dinâmica social e política. Inovar tem a ver com a tecnologia que vai avançar para um futuro compartilhado, imaginado junto”, explica o antropólogo Marko Monteiro.

Ainda assim, algo já começou a se mexer na sociedade. Depois de iniciativas mais localizadas, como a proibição de canudos e sacolas plásticas, em março de 2022, representantes de 175 países se reuniram na Assembleia Geral Ambiental da ONU (UNEA) para começar a elaborar um tratado internacional para acabar com a poluição por plásticos. O tratado, cujo texto deve ser finalizado em 2024, visa regular todo o ciclo de vida do plástico, incluindo a produção, o design e o descarte.

Na disputa de ideias dominantes, o problema ambiental já tem um espaço importante e tende a crescer conforme seja retroalimentado pela ciência. “Não temos um movimento negacionista sobre os malefícios do plástico. Ou ainda não temos. Existem os antivacinas, os negacionistas das mudanças climáticas, mas todos têm uma opinião sobre como plásticos são poluentes”, diz Krause. Marcelo Soares complementa, com uma descrição. "Quando estava mergulhando em Fortaleza para limpar o oceano, achei uma sacola plástica. Na hora que estiquei minha mão, quando consegui tocar nela, a sacola se dissipou em vários pedacinhos. Eu vi, foi na minha frente. Isso me dá vontade de lutar. Precisamos resolver o problema como sociedade, com firmeza. O problema existe, nascemos nessa geração da crise tecnológica e ecológica. Temos que tentar lidar com ele.”

ESG e o novo lucro sustentável

Uma decisão histórica da Justiça holandesa no ano passado obrigou a unidade da petrolífera Shell no país a reduzir suas emissões de gás carbono. Até 2030, a Shell deve cortar suas emissões em 45% em relação aos níveis de 2019, uma medida que abriu precedentes para outras empresas do setor. Outra decisão, de 2015, determinou que o governo da Holanda tem a obrigação de cuidar da proteção dos seus cidadãos contra as mudanças climáticas. Uma onda de ações na Justiça nos últimos anos já derrotou governos e empresas na cobrança por responsabilidade climática. Entretanto, a pressão mais significativa vem do mercado financeiro. Grandes fundos de investimento voltaram-se aos negócios sustentáveis e não querem mais arriscar dinheiro em empresas poluentes e socialmente irresponsáveis.

Em sua influente carta anual para as lideranças empresariais, Larry Fink, CEO da BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, deu um ultimato aos executivos globais ao pedir que as empresas apresentassem modelos de negócios compatíveis com uma economia neutra em carbono até 2050. Segundo Fink, o retorno duradouro aos acionistas depende do propósito na relação com os funcionários, clientes e a comunidade. É o poder do capitalismo soando o alarme para o mundo corporativo: risco climático é risco de investimento.

Faz algum tempo que não ser sustentável está fora de moda, e que a falta de diversidade nas empresas afasta o consumidor e causa má reputação. Mas somente nos últimos anos essa nova visão do mercado ganhou uma sigla: ESG (Environmental, Social and Governance). O conceito reúne padrões e boas práticas que visam definir se a operação de uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada. O termo foi cunhado em 2004 no relatório do Pacto Global, braço da Organização das Nações Unidas (ONU), com o propósito de engajar empresas e organizações a adotarem princípios na área de direitos humanos, trabalho, meio ambiente anticorrupção, em parceria com o Banco Mundial. De lá para cá, o ESG passou a fazer parte de índices do mercado financeiro, como o Índice Brasil ESG, da B3, que mede, desde de 2005, a performance de títulos a partir de critérios de sustentabilidade e ações sociais. No exterior, o S&P 500 ESG também usa dados ambientais, sociais e de governança para classificar e recomendar efetivamente as empresas aos seus investidores. Na sua última atualização anual, o S&P retirou do índice a Tesla, montadora de carros elétricos de Elon Musk. O bilionário, por sua vez, não gostou nada e se pronunciou no Twitter. “O ESG é uma farsa. Foi armado por falsos guerreiros da justiça social.” Farsa é justamente o que o mercado não quer quando o assunto é ESG. Daí a pressão de fundos de investimentos e acionistas por práticas reais e mensuráveis.

As venture builders são bons exemplos de como as empresas estão buscando se adequar ao ESG para agarrar essas novas oportunidades de investimento e não ficar para trás. Fundada pelo grupo FCJ, a ESG Venture é a primeira venture builder brasileira focada em sustentabilidade corporativa para startups. O objetivo é promover programas de tração que ajudem novas empresas de tecnologia a implementar práticas sustentáveis em seus processos, em troca de uma porcentagem acionária. Por enquanto, são seis startups parceiras, mas a meta é chegar a um portfólio de 30 marcas até 2027. Entre elas, estão a Meu pé de árvore, biostartup que busca viabilizar a restauração florestal com agricultores familiares e comunidades tradicionais; e a Copo vivo, empresa de reciclagem de plástico. O trabalho da venture builder inclui o fornecimento de serviços diversos — como marketing e assessoria jurídica —, e o acesso a uma rede com mais de 700 investidores. Uma vez que essas empresas têm negócios bem desenvolvidos e com alto potencial de faturamento, elas são conectadas a investimentos série B, que é quando um investidor fornece capital para a empresa.

Segundo Gisele Ramos, CEO da ESG Ventures, as empresas ainda têm dificuldade de colocar as ações de sustentabilidade na prática e transformar todos os compromissos e metas assumidas em realidade. “As empresas estão patinando na agenda ESG e não sabem qual caminho seguir”, diz. Existem alguns fatores que explicam esse cenário, entre eles a falta de engajamento da liderança e conhecimento sobre ESG, a ausência de pessoas qualificadas e estratégias que atrelam a agenda ao crescimento da organização. O mercado de venture capital, modalidade de investimento focada em empresas de até médio porte que têm alto potencial de crescimento, ainda está engatinhando no Brasil. Mas em outros países já gera números expressivos. Nos Estados Unidos, por exemplo, as startups receberam US$ 286,6 bilhões de aportes vindos de venture capital entre janeiro e outubro do ano passado, segundo a GlobalData. “São investidores visionários que querem arriscar não só o seu capital em algo que dê retorno financeiro, mas que também possam ajudar a criar a Nova Economia”, explica Gisele.

Hoje, as empresas estão buscando mudanças de acordo com a visão dos investidores e stakeholders. E isso também inclui a agenda ESG. O conceito se tornou um mapa para que as empresas construam ações que mitiguem os riscos de seus negócios no olhar do investidor. “É uma maneira de mostrar que elas não oferecem nenhum risco social ou ambiental, ou que estão conscientes deles e trabalham para reduzir seus impactos. Ninguém quer colocar dinheiro em uma empresa que vai soterrar pessoas”, conta a CEO, em referência aos desastres ambientais da Vale e Samarco no Brasil. Mas a preocupação vai muito além do propósito ou da justiça social. Investir em empresas com práticas que atendam aos critérios ESG é se preocupar com a valorização das ações e ter a certeza de que elas correm menos risco de serem multadas por trabalho escravo, por exemplo, ou impactos ambientais. “O ESG entrou em pauta pela mudança de comportamento dos investidores. Eles viram que investir em empresas com agendas sociais e ambientais oferece menos risco ao dinheiro deles. Então, ou as empresas fazem ou não conseguem mais acessar esses recursos.”

Nos 125 anos da ABL, uma celebração de Machado de Assis

No dia 20 de julho, a Academia Brasileira de Letras (ABL) completou 125 anos de história. A instituição foi fundada em 1897 pelos escritores Affonso Celso, Graça Aranha, Inglês de Sousa, Lúcio de Mendonça, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo, Ruy Barbosa, Visconde de Taunay. E sob a liderança do glorioso Machado de Assis. A criação da ABL se deu em um momento em que a cultura e o repertório literário brasileiros estavam em plena configuração e foi uma espécie de coroação desse processo.

Duas das funções primordiais da instituição são o cuidado com a língua portuguesa e a preservação da memória nacional por meio da literatura. Ela segue o modelo da academia da Academia Francesa, criada em 1635. Ambas têm quarenta cadeiras e é obrigatório que seus imortais tenham publicado pelo menos um livro. Uma diferença interessante entre o modelo francês e o brasileiro é que, desde a sua criação, a Academia Francesa aceitou acadêmicos não só do campo da literatura, mas antropólogos, sociólogos e filósofos, por exemplo.

A ABL tem se aberto para novas formas de enxergar a literatura brasileira, sobretudo nas duas últimas décadas. Essa tentativa de democratizar o acesso foi vista mais recentemente com a consagração de Gilberto Gil e Fernanda Montenegro. Mas a pecha de elitista segue, especialmente se considerado o aspecto racial — 54,3% da população brasileira é negra e apenas três pessoas pretas são imortais da Academia Brasileira de Letras, um deles seu fundador, Machado de Assis. A pouca diversidade da academia é reconhecida mesmo por seu atual presidente, Merval Pereira.

Para celebrar o 125º aniversário da Academia Brasileira de Letras e Machado, o Meio conversou com João Cezar de Castro Rocha, escritor, historiador, enxadrista e professor de literatura comparada. Rocha é um especialista machadiano e, entre outros, organizou o livro Machado de Assis, Lido e Relido, com ensaios de diferentes estudiosos sobre o autor. Confira trechos da entrevista.

Machado de Assis ainda é considerado o autor mais importante da história do Brasil e influencia na obra de diversos autores. Por que ele foi tão consumido e continua sendo até hoje?

Machado de Assis é um dos autores mais coloquiais da literatura brasileira, isto é, a estrutura da frase é a mais elementar possível. É sujeito, verbo e predicado. O vocabulário de Machado continua atual, e isso ocorre porque, ao contrário do que era comum na época, quando se partia do princípio que para escrever literatura é preciso escrever difícil, Machado é coloquial. Ele é um escritor fantástico. Machado permanece sempre moderno porque foi uma espécie de modernista antes do tempo. Ele sempre escreveu lançando mão dos recursos mais comuns da língua para obter efeitos inesperados. O segredo de Machado nunca está na superfície, está sempre nas entrelinhas.

Qual é a grande lição de Machado de Assis para a cultura brasileira?

Machado nos ensina que para se tornar um grande escritor ou um grande artista o mais importante é lutar contra o seu próprio talento. Esse é o ponto. Ainda hoje no Brasil nós temos o culto ao improviso, ao gênio e à inspiração. Mas Machado nos mostrou com sua vida inteira que é importante disciplinar o próprio talento. Desde a sua primeira publicação, aos 15 anos de idade, até a sua última já perto da morte, Machado não passou um dia sequer sem ler ou estudar. Ele só chegou tão longe porque sempre soube que um verdadeiro escritor é sobretudo um grande leitor. Você só se torna realmente importante no que faz quando compreende que a sua principal luta é contra o talento, que, afinal, é um facilitador.

Como você vê a presença de questões raciais na obra de Machado de Assis, já que ele é acusado de não ter falado explicitamente sobre elas, apesar de ser um homem negro?

Uma das maiores incompreensões em relação a Machado diz respeito justamente à questão racial. Por muito tempo foi comum se dizer que Machado dava pouca importância ao fato de ele mesmo ser um homem negro vindo de família pobre e que teria dado pouca importância à escravidão. Nada mais equivocado. Há um pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, o Eduardo de Assis Duarte, que há muito tempo tem mostrado como isso não é verdade. Ha nos contos machadianos, nas crônicas e nos romances, referências à escravidão e a condenação explícita dela como um sistema econômico do Brasil. Machado nunca foi panfletário, isso com certeza. Mas nunca ignorou a realidade brasileira.

Como não ser panfletário o ajudou?

Todo panfleto é muito direcionado ao tempo presente. Quando os anos se passam, a referência fica obsoleta. Machado foi muito crítico da estrutura da sociedade brasileira e por isso ele permanece atual. Por exemplo, no conto Mariana há uma naturalização da violência, o que a torna ainda mais violenta, e a maior violência hoje no Brasil é o fato de que naturalizamos a violência. E como desnaturalizá-la? Lendo Machado de Assis.

Agora falando sobre a ABL e a falta de representatividade feminina. Até 1976, as mulheres eram proibidas de se candidatar a imortais. Rachel de Queiroz foi a primeira a conseguir o feito. E anos mais tarde, apenas outras oito mulheres foram eleitas. Como se explica esse machismo da ABL?

Nós vivemos em um país racista, sexista e homofóbico. Não podemos pensar na ABL como se ela fosse uma ilha cercada de belos sentimentos de todos os lados. Ela ainda é uma associação brasileira e não está imune às mazelas e aos paradoxos da sociedade. O que a academia pode fazer é estar na vanguarda. Mas sem dúvida alguma a ABL deve ter uma abertura cada vez maior para as mulheres, para a população negra e muito em breve, esperemos, para a emergência da literatura indígena.

Quando se fala na presença de autores negros temos um percentual menor do que o das mulheres.

A Academia Brasileira de Letras é elitista. São apenas quarenta cadeiras. Digamos que quem está lá é a elite da cultura brasileira. Há esse esforço que deve ser reconhecido de ampliação da democratização da academia nesse sentido. Podemos observar pelos últimos nomes que ingressaram, como Fernanda Montenegro, que é uma dama do teatro brasileiro, Gilberto Gil, Geraldo Carneiro, que é poeta e trabalhou durante muitos anos na televisão. Enfim, houve de fato uma abertura muito grande da academia para novas figuras e isso é muito positivo. Mas visto que a população negra é mal representada diante da sociedade, na academia não poderia ser diferente.

Você, leitor, no foco. O levantamento do Meio sobre quem são nossos assinantes foi a mais clicada da semana. Veja a lista:

1. Meio: Quem é o leitor do Meio em 2022?

2. Olhar digital: A cabine do veículo voador da Eve, empresa da Embraer.

3. Folha: São Paulo, Rio e Curitiba vistas do espaço.

4. Folha: Fraudes e desvios de verba na Codevasf na mira da PF.

5. Folha: Sem controle sob Bolsonaro, Codevasf lucra com taxa para emendas.

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A rede social perfeita para democracias

24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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